DPU – Direitos Humanos

Notícias

Série DPU na COP30 | Caso Braskem: sete anos de atuação em defesa dos afetados pela mineração em Maceió (AL)

Foto: Comunicação MPF/AL

Maceió – Desde os primeiros tremores de terra sentidos em Maceió, em 2018, a Defensoria Pública da União (DPU) vem sendo uma das protagonistas na defesa das milhares de famílias atingidas pelo afundamento do solo causado por décadas de mineração de sal-gema pela Braskem. A tragédia socioambiental, que causou crateras, fendas nas ruas e rachaduras nos imóveis e já obrigou mais de 60 mil pessoas a deixarem suas casas, é considerada uma das maiores emergências urbanas ocorridas no Brasil.

Os bairros mais afetados pelo afundamento foram Pinheiro, Mutange, Bom Parto, Bebedouro e Farol. Desde o início trabalhando em prol de moradores dessas áreas e do entorno, o defensor regional de Direitos Humanos em Alagoas, Diego Alves, destaca que a DPU atua em diversas frentes. O mais recente resultado desse trabalho é a decisão da Justiça Federal, do dia 3 de setembro, a qual reconheceu danos diretos decorrentes da mineração na área AT06-B, no bairro Bom Parto, determinando, em caráter de urgência, a inclusão de 13 imóveis já interditados pela Defesa Civil de Maceió no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação da Braskem (PCF).

Acompanhe agora a quarta matéria da série especial ‘DPU na COP30: Justiça Climática é Direito’, lançada pela Assessoria de Comunicação (ASCOM) da DPU em 25/08, que mostra a atuação da DPU na garantia de saúde, reparação, moradia digna a pessoas atingidas pelas consequências da exploração mineral sem responsabilidade socioambiental.

Primeiros passos: proteção emergencial

Assim que os danos estruturais se intensificaram no bairro de Pinheiro, a DPU buscou garantir direitos básicos aos moradores. Entre as primeiras medidas tomadas, esteve a recomendação à Caixa Econômica Federal (CEF) para liberar o saque do FGTS diante da situação de calamidade. A negativa da CEF levou a Defensoria a ajuizar quatro ações coletivas, que resultaram na liberação dos valores para milhares de famílias.

Em 2019, a DPU também atuou na defesa de mutuários com imóveis interditados, conseguindo liminar para suspender cobranças de financiamentos, impedir leilões e retirar nomes de listas de inadimplência.

Desocupação da área. Indenizações e acordos coletivos

Com a confirmação técnica de que a Braskem era responsável pelos danos, a DPU, em parceria com Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Alagoas (MP/AL) e Defensoria Pública Estadual (DPE/AL), negociou o primeiro acordo de indenização em 2020. O pacto garantiu compensação financeira e realocação de mais de 17 mil pessoas.

Em dezembro de 2020, os acordos foram ampliados, chegando a mais de 60 mil atingidos. A DPU prestou assistência jurídica individual dentro da Central do Morador, analisando cláusulas de quitação e a estrutura dos termos para indenização e realocação, a fim de garantir que os direitos dos cidadãos fossem protegidos.

Em nota conjunta assinada em 2023, DPU e MPF destacaram não haver precedentes jurídicos para lidar e solucionar com celeridade e urgência um problema tão complexo como o caso Braskem.

“Acredito que o acordo merece ser valorizado por ter garantido a realocação célere e com dignidade, evitando uma tragédia maior, e a discussão sobre o pagamento de indenização justa, em cerca de dois anos, para mais de 60 mil atingidos que viviam na área de risco. A instituição manteve-se alerta para a presença de cláusulas abusivas ou desfavoráveis nos acordos, que poderiam resultar em prejuízos para os afetados”, afirmou Alves.

Flexais e o “ilhamento”

Paralelamente, a instituição também agiu em defesa de comunidades não incluídas oficialmente no mapa de risco, como os Flexais, nas imediações do bairro Bebedouro, afetados pela situação de “ilhamento socioeconômico”. O trabalho na área resultou em um acordo com a mineradora, firmado em outubro de 2022, para requalificação urbana, revitalização e devolução de equipamentos públicos, como feiras, unidade de saúde, rotas de ônibus e escolas.

Como exemplos de medidas executadas, estão a inauguração, em março deste ano, do Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Lucineide Gomes, que atende 120 crianças de zero a seis anos, e, em abril, da Unidade Básica de Saúde dos Flexais. Além disso, houve pagamento de indenizações, por cota única, no valor de R$ 25 mil por núcleo familiar e comércio e de R$ 30 mil, no caso de imóvel misto, em virtude do rebaixamento da qualidade de vida na área.

Ação contra seguradoras

Em 2021, a DPU ajuizou uma ação para que as seguradoras credenciadas à CEF fossem proibidas de recusar cobertura securitária para imóveis da margem de segurança, localizados no entorno da área afetada, mas destituídos de risco. Na ocasião, a instituição argumentou que a medida ofendia direitos do consumidor e violava o direito social à moradia. Em sentença proferida em 2024, a Justiça acolheu pedido da DPU, determinando ainda que as empresas evitassem preços abusivos e aumentos expressivos como estratégia para afastar a contratação da cobertura para imóveis localizados fora e nas proximidades da área de risco.

Educação sob impacto: o direito à aprendizagem

A Defensoria identificou impactos severos na vida escolar de crianças e adolescentes, com evasão, déficit de aprendizagem e dificuldades de transporte. A partir de 2021, instaurou procedimentos específicos e cobrou medidas de compensação educacional para mais de 1.200 estudantes de cinco escolas afetadas da região.

A pauta avançou em 2023, quando DPU e MPF negociaram, com a Braskem e a Secretaria de Educação de Maceió, a criação de um programa de reforço escolar. Em 2024, listas de estudantes foram divulgadas para que os alunos fossem atendidos na DPU e formalizassem o ingresso ao programa. Em 2025, o programa foi iniciado, prevendo 1.280 horas de reforço por 20 meses, auxílio transporte, alimentação e permanência, este último no valor de R$ 400, com acompanhamento até 2027.

Até agora, 998 estudantes ingressaram no programa, 330 deles estão participando do reforço escolar, enquanto 668 solicitaram a indenização integral de R$ 8 mil, prevista quando os estudantes estão matriculados no ensino integral ou moram fora de Maceió.

Pescadores e marisqueiras: reparação pelos prejuízos

Outro grupo afetado pelo afundamento do solo foi o de pescadores e marisqueiras da Lagoa Mundaú, que tiveram atividades restritas por risco de colapso das minas. Após acordo entre DPU, Braskem, Federação de Pescadores de Alagoas (Fepeal) e a Confederação Nacional dos Pescadores e Aquicultores (CNPA), trabalhadores puderam receber uma indenização no valor de três salários-mínimos.

A DPU ficou responsável por atender os pescadores do Grupo 2, não associados a colônias, visando a regularização e envio de documentos para liberação de recursos. Mais de 1.800 pescadores foram beneficiados, sendo que 324 tiveram apoio direto da DPU para essa reparação.

Necessidade de novo complexo de saúde mental

A grave situação do sistema de saúde mental em Maceió levou a DPU, MPF e MPAL a ajuizarem, em abril de 2024, uma Ação Civil Pública (ACP) contra a empresa petroquímica, o estado de Alagoas e a Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal). Na ACP, foi pedida a construção de um novo complexo de saúde mental que acomodasse a estrutura e serviços do Hospital Escola Portugal Ramalho (HEPR). Localizado no bairro Farol, o hospital está em situação precária e foi afetado pelo fechamento de outras unidades psiquiátricas em decorrência do afundamento do solo.

Um acordo foi firmado com a Braskem e já homologado pela Justiça para a edificação de uma nova unidade do hospital. As obras devem começar após a compra do terreno – atualmente em fase de desapropriação – pelo governo estadual no bairro de Jaraguá. Em agosto, a DPU solicitou que Braskem e Estado comprovassem na Justiça o cumprimento dos termos iniciais do pacto.

Famílias que não podem visitar entes falecidos

DPU, MPF e MP-AL continuam buscando a indenização por danos morais e materiais em razão da desativação do Cemitério Memorial Santo Antônio, em outubro de 2020. Localizado em Bebedouro, o local foi interditado e a visita de familiares foi proibida. Como não houve avanço nas tratativas extrajudiciais com a Braskem para a criação de um programa de compensação, em 2024 as instituições levaram a situação à Justiça.

“As pessoas que tiveram os entes queridos mortos foram impedidas de enterrá-los junto com outros corpos que já estavam lá. Também há o dano material porque houve perda daquele patrimônio, da concessão de uso dos jazigos adquiridos”, explicou Diego Alves.

Áreas críticas e novas ações

Com a constante atualização do Mapa de Ações Prioritárias da Defesa Civil ao longo dos anos, a DPU também ampliou sua atuação em áreas recém identificadas como de risco.

Em 2025, junto com o MPF e MP/AL, a DPU pediu a reavaliação do bairro Bom Parto, mais precisamente na área AT06-B, denunciando o agravamento dos danos. Inspeção judicial realizada em julho confirmou a gravidade da situação e, no dia 3 de setembro último, a Justiça Federal admitiu a existência de danos diretos decorrentes da atividade da mineradora Braskem em imóveis da área.

Embora tenha reconhecido os prejuízos, como desvalorização imobiliária, ilhamento socioeconômico e transtornos pelo tráfego de veículos pesados para o tamponamento das minas, o juiz federal André Granja sustentou que, em respeito ao devido processo legal e ao direito de defesa, é necessário aguardar a fase final da produção probatória para definir medidas mais amplas em relação a toda a área. Por conta da situação emergencial, ele deferiu a inclusão imediata de 13 imóveis já interditados pela Defesa Civil de Maceió no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação da Braskem (PCF), garantindo a esses moradores o direito à remoção assistida e à reparação.

Sete anos de luta e muito ainda a fazer

Ao longo dos anos, a DPU se consolidou como uma das instituições mais atuantes no Caso Braskem. Entre medidas judiciais e extrajudiciais, acordos coletivos e defesa individualizada, a instituição conseguiu garantir indenizações, medidas de requalificação urbana, reparação educacional e proteção de populações tradicionais e vulneráveis. No entanto, o caso é muito complexo e há problemas que permanecem, como a falta de resposta para moradores de áreas vizinhas afetadas indiretamente pelo desastre, exigindo a continuação de uma atuação firme e interinstitucional.

“É uma tragédia ambiental sem precedentes e, portanto, para cada problema específico, faz-se necessária uma intervenção criativa para gerar soluções adequadas. A empresa deve ser responsabilizada por todos os danos causados à população alagoana, sem restrição à área de risco. As instituições e órgãos públicos devem fiscalizar e perseguir, seja no âmbito legislativo ou executivo, a adoção de medidas legislativas e administrativas para prevenir desastres e preservar o meio ambiente para a presente e futuras gerações. A DPU sempre estará ao lado do povo e continuará atuando no caso a fim de garantir o respeito aos direitos fundamentais dos atingidos”, concluiu o defensor.

Leia mais:

DPU confirma participação na COP30 e lança série de reportagens especiais

Série DPU na COP30: Garimpo ilegal ameaça a Terra Indígena Sararé no oeste do MT

Série DPU na COP30 | Casos Mariana e Brumadinho: justiça para comunidades atingidas

Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União