DPU – Direitos Humanos

Observatório do Garimpo e seus Efeitos

Socioambientais (OGES)

    A crise humanitária vivenciada pelos Yanomami no estado de Roraima, onde se localiza parte da maior terra indígena do país, tornou-se pública para a maioria da população no início de 2023, chocando toda a sociedade e obrigando o Estado brasileiro a adotar iniciativas urgentes para reverter ou minimizar os efeitos gerados por anos de abandono, que deixaram esse Povo e seu território à mercê de um conjunto de atividades ilícitas que comprometem não apenas sua reprodução cultural (isto é, de seus modos de vida), mas inclusive sua reprodução física, já que, entre 2019 e 2022 morreram, ao menos, 570 crianças em decorrência de desnutrição, de acordo com levantamentos feitos pelas equipes de saúde que atuam nas aldeias da região.

    A atividade que mais contribuiu para esse quadro foi o garimpo ilegal, que nos últimos anos chegou a mobilizar entre 25 e 30 mil pessoas na Terra Indígena. A invasão promovida pela atividade garimpeira, que conta com estrutura robusta (balsas, aviões, bombas de sucção, escavadeiras, abrigos, etc.), é a grande responsável pelo crescimento das áreas de desmatamento e pela contaminação das águas de rios e igarapés, por causa do uso indiscriminado de mércurio na extração do ouro.

    O mercúrio, ao ser lançado nos cursos d’água, afeta toda a cadeia trófica, incluindo os peixes, principal fonte de proteína consumida na região Norte, especialmente entre povos indígenas e comunidades ribeirinhas. Com suas águas contaminadas e o pescado impróprio para o consumo, os quadros crônicos de desnutrição, aliados a doenças como a malária, que devido à formação de poços na terra escavada, que funcionam como criadorouros para a proliferação dos vetores, também se expandiram nas áreas de garimpo e cresceram descontroladamente, levando centenas de indígenas a óbito por causas evitáveis.

    Essa realidade, contudo, está longe de ser exclusiva da TI Yanomami. Segundo o dados reunidos pelo Mapbiomas, entre 2010 e 2021, o garimpo ilegal em terras indígenas aumentou 632%, sendo o ano de 2021 o que registrou a maior expansão em 36 anos, totalizando 15 mil hectares devastados.

    É na Amazônia que a fronteira garimpeira mais avança. De acordo com o Observatório da Mineração, até fevereiro de 2023, as terras indígenas mais afetadas pelo garimpo ilegal foram: Kayapó (11.542 ha), Munduruku (4.743 ha), ambas situadas no estado do Pará, e Yanomami (1.556 ha), especialmente a porção localizada no estado de Roraima.

    Unidades de Conservação constituem outro alvo da ação criminosa de garimpeiros. Entre 2010 e 2020, área ocupada pela atividade garimpeira cresceu 352% em unidades de conservação no Brasil, , de acordo com levantamento da rede de pesquisadores MapBiomas (2022). As três Ucs mais afetadas são a APA do Tapajós (43.266 ha), a Floresta Nacional do Amaná (5.400 ha) e a Floresta Nacional do Crepori (1686 ha), todas elas no Pará.

    A sociedade civil organizada e as Instituições de Justiça, assim, pressionaram para que o Estado brasileiro interviesse a fim de coibir os ilícitos e de que fosse implementada regulação mais rígida sobre a cadeia do ouro.

    Isso levou, recentemente, a Receita Federal a tornar obrigatória a utilização de nota fiscal eletrônica quando o minério for classificado como ativo financeiro ou instrumento cambial. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, determinou a suspensão da eficácia do art. 39, § 4º, da Lei Federal 12.844/2013 (ADI 7.273), que presume a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente, determinando a adoção por parte do Poder Executivo da União de um novo marco normativo para a fiscalização do comércio do ouro.

    Nesse contexto, a DPU instituiu o Observatório Nacional da Defensoria Pública da União sobre Garimpo e Efeitos Socioambientais (OGES), por meio da Portaria GABDPGF DPGU nº 636, de 30 de junho de 2022, com o objetivo de estabelecer e fomentar uma rede de instituições para atuação em defesa das populações atingidas pelos efeitos socioambientais decorrentes do garimpo ilegal, tendo como eixos prioritários de ação a preservação e proteção do território, a prestação adequada de serviços de saúde, a segurança alimentar e nutricional, e a segurança econômica.

    A constituição do OGES, portanto, está também em harmonia com a proteção outorgada pela Constituição Federal ao meio ambiente, com a missão institucional da DPU e com o Decreto nº 9.470, de 14 de agosto de 2018, que promulgou a Convenção de Minamata sobre Mercúrio.

    A região da Amazônia Legal, considerando o histórico e os dados acima expostos, será o foco de atuação inicial do Observatório, sendo possível que seus membros decidam pela eleição de outras localidades para atuação estratégica.

    Cria-se, assim, na estrutura da DPU uma arena exclusivamente dedicada ao tema que, dado à potencialidade e efetividade dos danos sociais, ambientais e culturais, à complexidade das cadeias produtivas, especialmente a do ouro, e à fragilidade regulatória de parcela significativa do setor minerário, vem ganhando cada vez mais atenção e causando forte interesse e preocupação na sociedade brasileira, principalmente entre quem vem se dedicando aos estudos dos efeitos socioambientais do garimpo ilegal e entre as populações diretamente atingidas por essa atividade.

    As principais finalidades do OGES são:

    1) Planejar, coordenar e implementar ações estratégicas e estruturais voltadas à defesa dos direitos fundamentais e ao acesso à justiça das comunidades tradicionais e povos indígenas afetadas pelo garimpo;

    2) Fazer interlocução com outras instituições, sociedade civil, empresas responsáveis e esferas de governo visando à promoção dos direitos humanos e da defesa dos direitos fundamentais dos povos indígenas e das comunidades tradicionais afetadas pelo garimpo;

    3) Subsidiar tecnicamente, articular e atuar conjuntamente com as Defensorias Regionais de Direitos Humanos e Ofícios individuais;

    4) Manter a memória de atuação e das ações efetuadas pelo Observatório;

    5) Indicar membro para representar a Defensoria Pública da União nos comitês interinstitucionais, reuniões, audiências públicas e outros eventos que tratarem do tema garimpo; e

    6) Receber e dar encaminhamento a/ao Defensor/a natural a denúncias e a solicitações de assistência jurídica por povos indígenas e comunidades tradicionais afetadas pelo garimpo.

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