Notícias
Ano de 2024 é marcado pela maior operação de combate ao trabalho escravo da história do Brasil
28/01/2025
Brasília – No ano passado, a Chacina de Unaí (MG) completou 20 anos. O assassinato dos auditores-fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, junto com o motorista Ailton Pereira de Oliveira, demonstra ainda hoje as chagas do combate ao trabalho escravo contemporâneo. A data de 28 de janeiro foi escolhida para relembrar este crime e marcar a importância daqueles que, diariamente, lutam pelo trabalho digno e o respeito aos direitos trabalhistas no Brasil.
O ano de 2024 foi marcado pela maior operação de combate ao trabalho escravo contemporâneo da história do Brasil. A Operação Resgate IV, que ocorreu entre julho e agosto de 2024, retirou 593 trabalhadores de condições de trabalho escravo contemporâneo, um aumento de 11,65% da operação realizada no ano anterior. O grupo atuou na fiscalização de fazendas, indústrias e comércios, resgatando trabalhadores em condições degradantes e promovendo a defesa de pessoas vulnerabilizadas.
Foram realizadas 130 inspeções em estabelecimentos do Brasil, com o esforço conjunto da Defensoria Pública da União (DPU), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), que se dividiram em 23 equipes de fiscalização que rodaram pelo Distrito Federal e 15 estados da federação.
Quase 72% dos resgatados trabalhavam na agropecuária, com destaque para os cultivos de cebola, horticultura, café e batata. Nas atuações em áreas urbanas, os maiores resgates de trabalhadores ocorreram na fabricação de álcool e na administração de obras. Foram também flagradas 18 crianças e adolescentes submetidos a trabalho infantil.
Neste ano, a DPU irá fazer 10 anos no envolvimento direto com as ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), com a participação de defensores e defensoras públicas federais em parceria com as outras instituições. A DPU, nas atuações do grupo, realiza a defesa plena das pessoas resgatadas, assegurando o pagamento de verbas trabalhistas, danos morais individuais, regularização de documentos e a busca de benefícios assistenciais e previdenciários, com o objetivo de coibir a revitimização de trabalhadores.
A evolução da atuação da DPU no tema é constante e crescente. A instituição hoje integra a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), com direito a voto nas decisões. O órgão acompanha a implementação das ações do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, projetos de lei no Congresso Nacional e atua em estudos e pesquisas sobre o trabalho escravo contemporâneo no Brasil, propondo adaptações e melhoras no combate ao trabalho degradante.
“A DPU está integrada em todas as discussões nacionais sobre combate à escravidão contemporânea e atuamos num tripé, junto com o MPT e o MTE, como órgão de atuação nas ações de fiscalização. Mesmo em casos nos quais não temos condições de estar nas operações, estamos sempre atuando à distância”, comentou a defensora pública federal Izabela Luz, coordenadora do Grupo de Trabalho de Combate à Escravidão Contemporânea (GTCEC).
Mas a DPU pode e deve fazer mais. Izabela Luz enfatiza que a efetivação e o aumento da capacidade da instituição em atuar na defesa dos trabalhadores resgatados passa por um aumento da estrutura e especialização no órgão. “Penso que precisaríamos ter uma secretaria ou um Defensor Nacional de Combate à Escravidão Contemporânea, como existe o nosso Defensor Nacional de Direitos Humanos. Este é um tema de grande visibilidade e importância, tanto para o Brasil quanto para os organismos internacionais”, completou.
Resgates
A atuação do GEFM ocorre durante todo o ano. No total, foram 49 ações de fiscalização com a participação da DPU, que atingiram 97 municípios. Foram atendidos 1.858 trabalhadores e trabalhadoras, um aumento de mais de 100% nos atendimentos realizados em comparação ao ano de 2023, com 235 pessoas resgatadas e quase 3 milhões pagos em verbas trabalhistas.
Em dezembro do ano passado, três trabalhadores, com idades de 41, 57 e 59 anos foram encontrados em um barracão de lona improvisado, sem banheiro e água potável em São Félix do Xingu, no Pará. Eles atuavam na construção de uma ponte em uma fazenda no município, sem registro em carteira e recursos mínimos de subsistência. O pagamento: diárias de 90 reais, pagos por um subempreiteiro.
O fazendeiro aceitou pagar as verbas rescisórias, no valor de mais de 20 mil reais para cada trabalhador, enquanto o subempreiteiro pagou 10 mil reais para cada um dos trabalhadores, a título de danos morais. Foi assinado um termo de ajuste de conduta (TAC), em que o subempreiteiro se comprometeu em não submeter mais trabalhadores a estas condições, como também no tratamento adequado de acomodações, alojamento e transporte aos trabalhadores que venham a ser contratados.
No município de Encruzilhada do Sul, no Rio Grande do Sul, um viúvo de 57 anos foi resgatado em uma fazenda. Ele trabalhava há 10 anos na produção de carvão, fazendo a queima e a extração da madeira, sem qualquer direito trabalhista, como férias ou adicionais, dado que a atividade é considerada de alta insalubridade. Os pagamentos eram irregulares, muito abaixo do salário mínimo, e o trabalho era diário sem sequer um dia de descanso semanal.
Ao adentrar o local de residência, a equipe de fiscalização constatou condições degradantes e que a água fornecida pelo empregador não possuía nenhum tratamento. O empregador, após acordo, aceitou realizar o pagamento de 55 mil reais ao trabalhador, mais uma indenização de danos morais individuais e coletivos.
Protocolo
No mês de junho a DPU lançou, em parceria com a Fundação Pan-Americana de Desenvolvimento (PADF) e a American Bar Association (ABA), um protocolo de atuação para defensores e defensoras públicas federais que atuam nas ações de combate ao trabalho escravo contemporâneo e no resgate de pessoas submetidas ao trabalho forçado e degradante. O objetivo do protocolo é padronizar a atuação da DPU na fiscalização, garantindo a segurança e orientação para a resolução dos casos.
O documento traz a dinâmica completa das ações, desde métodos de denúncia, trâmites administrativos para os participantes, equipamentos necessários para as ações até as noções práticas das operações de combate ao trabalho escravo contemporâneo, com as medidas a serem tomadas antes das ações de resgate, no momento do resgate e as necessidades que surgem após as ações.
“O primeiro benefício foi ampliar o conhecimento dos defensores em geral sobre o que é nossa atuação nas ações de trabalho análogo a escravidão”, explica a defensora pública federal Izabela Luz. “Muitos colegas não participavam das operações por medo, receio; por não saber como atuam os defensores, o que fazem. Agora muitos colegas estão me procurando para compor a lista do Getrae”.
O Getrae é o Grupo Especializado de Assistência a Trabalhadoras e Trabalhadores Resgatados de Situação de Escravidão, criado pela DPU, que tem como integrantes defensores e defensoras públicas federais interessados em atuar nas ações do GEFM. Os membros do grupo recebem capacitação e treinamento especializado, como palestras e cursos para a defesa dos trabalhadores resgatados.
O protocolo também traz exemplos práticos de ações em que a DPU atuou, demonstrando os métodos de identificação do que é trabalho escravo contemporâneo e focando na assistência jurídica na questão trabalhista, como o pagamento das verbas rescisórias e os danos morais, inclusive nas necessidades de ações judiciais e ações civis públicas.
As ações pós-resgate, de suma importância no protocolo, evitam a revitimização das pessoas resgatadas, levando o rompimento do ciclo vicioso nos quais são colocadas as vítimas. Dados apontam que 38% dos trabalhadores resgatados são reincidentes, ou seja, já foram submetidos anteriormente a situação de trabalho escravo contemporâneo. Para resolver isso, a DPU frisa a importância do acesso a documentos, conta bancária e ao sistema de assistência social nos municípios.
Dados
Conforme dados consolidados do Radar SIT, do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), em 2023 foram resgatadas 3.240 vítimas de trabalho escravo contemporâneo pelos auditores fiscais do trabalho, o maior número da série desde o ano de 2009. No total, as atuações das instituições garantiram o pagamento a trabalhadoras e trabalhadores resgatados de mais de 13 milhões de reais em verbas rescisórias.
Do total de trabalhadores, 2848 foram resgatados de trabalho análogo a escravo em áreas rurais. Os municípios com mais autos de infração lavrados foram Itumbiara (GO), São Francisco de Itabapoana (RJ), São Félix do Xingu (PA), Nova Era (MG) e Fortaleza (CE). O município paraense também é o líder em resgates desde o início da série histórica, com 1.551 trabalhadores e trabalhadoras resgatadas desde o ano de 1995.
Grupo de trabalho
Para atuar com maior enfoque e celeridade nas questões que envolvem o trabalho escravo contemporâneo, a DPU criou o Grupo de Trabalho de Combate à Escravidão Contemporânea (GTCEC), que é responsável pelas normatizações do tema, monitoramento de casos em trâmite na DPU, consolidação dos dados e promove debates para solucionar o problema da escravidão contemporânea no Brasil.
O GT também identifica dificuldades políticas e processuais, favorecendo o diálogo institucional, e recebe denúncias de trabalho escravo contemporâneo através do e-mail trabalhoescravo@dpu.def.br.
Outro meio para realizar denúncias relativas a trabalho degradante ou que atente contra a legislação trabalhista podem ser feitas pelo Sistema Ipê, plataforma de denúncias criada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), de maneira totalmente sigilosa.
GGS/DCC
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União