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Urânio no Ceará: DPU acompanha projeto com foco na proteção de comunidades indígenas, quilombolas e rurais
Santa Quitéria – O licenciamento do Projeto Santa Quitéria, voltado à extração de urânio e fosfato no semiárido cearense, segue no centro de uma disputa que se arrasta há mais de 20 anos. De um lado, a promessa de bilhões em investimentos e geração de empregos; do outro, os alertas de comunidades tradicionais, pesquisadores e órgãos de defesa dos direitos humanos sobre os possíveis impactos socioambientais da mineração.
A Defensoria Pública da União (DPU) acompanha o caso desde 2021, com foco na proteção dos direitos das populações indígenas, quilombolas e rurais da região. Entre as principais demandas estão a necessidade de transparência no processo de licenciamento e a realização de consulta prévia, livre e informada, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A atuação da DPU inclui participação em audiências públicas, solicitação de informações aos órgãos responsáveis e articulação para garantir que as comunidades sejam efetivamente informadas e ouvidas.
Atuação coletiva
Para acompanhar o caso, a DPU instaurou um procedimento de assistência jurídica coletiva, por meio do Ofício Regional de Direitos Humanos no Ceará. Segundo o defensor regional de Direitos Humanos (DRDH/CE), Edilson Santana, a medida busca fortalecer a apuração dos impactos do projeto e orientar a atuação institucional. “Esse procedimento coletivo tem como objetivo levantar informações, instruir a atuação do defensor público e investigar a eventual existência de violações de direitos, formando assim a convicção necessária para a adoção de medidas urgentes e adequadas”, afirma Santana.
A DPU também acompanha de perto o processo de licenciamento ambiental, que já foi negado anteriormente e voltou à pauta com uma nova solicitação em análise. “Consideramos que as duas audiências públicas realizadas recentemente ainda são insuficientes para garantir que as comunidades locais sejam ouvidas, informadas e participem efetivamente da decisão que, afinal de contas, afetará diretamente suas vidas”, acrescenta o defensor.
As principais preocupações da DPU incluem os impactos socioambientais da mineração de urânio e fosfato, como possíveis danos à saúde da população, contaminação de recursos hídricos, deslocamento de comunidades e degradação ambiental. Além disso, há uma atenção especial à transparência no processo e à necessidade de consulta prévia às comunidades afetadas.
Fiscalização em campo
Em agosto de 2022, a DPU participou de uma missão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e da Plataforma Dhesca Brasil na Fazenda Itataia, em Santa Quitéria, local escolhido como sede da exploração do minério. O objetivo foi apurar denúncias de violações de direitos humanos. Durante a visita, houve vistorias na área, reuniões com comunidades afetadas e uma audiência pública para discutir os impactos do projeto.
O projeto em números
O Projeto Santa Quitéria prevê a extração de urânio para abastecimento de usinas nucleares e de fosfato para a produção de fertilizantes. A mina, localizada entre os municípios de Santa Quitéria e Itatira, a cerca de 210 km de Fortaleza, abriga uma reserva estimada de 142 mil toneladas de urânio e 130 milhões de toneladas de fosfato.
A operação será realizada a céu aberto, com previsão de funcionamento entre 2027 e 2047. O processo inclui:
- Extração do colofanito, rocha que contém urânio e fosfato;
- Britagem e calcinação para separação dos minerais;
- Produção de ácido fosfórico para fertilizantes e concentrado de urânio;
- Estocagem de rejeitos sem uso de barragens.
A empresa responsável assegura que a tecnologia empregada é segura, mas pesquisadores contestam e a DPU pede mais informações aprofundadas.
Riscos ambientais e sociais
Um estudo da Universidade Federal do Ceará (UFC) apontou falhas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Entre os problemas apontados pelos pesquisadores estão:
- Subestimação dos impactos na saúde: risco de contaminação por radiação e metais pesados;
- Ameaça aos recursos hídricos: possível poluição de 24 cursos d’água na região;
- Perda de biodiversidade: espécies ameaçadas, como o soldadinho-do-araripe, podem ser afetadas;
- Impactos climáticos: emissões de gases poluentes e possibilidade de chuva ácida.
O Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) estima que 156 comunidades rurais e 30 territórios tradicionais podem ser impactados, incluindo cinco etnias indígenas.
Licenciamento em impasse
O processo de licenciamento ambiental está em curso desde 2004. Em 2022, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) rejeitou o primeiro EIA por falta de dados. Um novo estudo foi apresentado em 2023, reiniciando o processo. Em 2024, uma audiência pública reuniu representantes de órgãos públicos, empresa e população local.
Na audiência, moradores relataram preocupações com a perda de terras e o consumo de água pelo projeto. O líder do assentamento Saco de Belém, Elias Alves, falou sobre o aumento de casos de câncer na região e pediu responsabilidade às autoridades. “Pessoal, eu vim para cá sabendo que eu não sou bem-vindo aqui, porque eu não sei falar. Mas eu digo uma coisa, eu digo a quantidade de gente que morreu no Saco de Belém acometida de câncer. Esse mês passado morreram quatro. [..] Promessas em vão não adianta, meu povo. O que adianta é trabalho feito, é mostrar serviço feito”, desabafou.
A defensora pública federal Tarcijany Linhares esteve na audiência do dia 14 de março e reforçou a necessidade de transparência e escuta das comunidades. “É fundamental que as comunidades afetadas sejam ouvidas e respeitadas. A Defensoria Pública está aqui para garantir que nenhum direito seja violado”, afirmou.
A defensora também apontou que a DPU tem monitorado se as comunidades locais estão sendo devidamente informadas e ouvidas sobre os riscos e benefícios do projeto. “Caso haja falhas nesse processo, a Defensoria pode intervir para exigir maior participação social e acesso a informações claras e objetivas”, completou Linhares.
O que diz a lei
O licenciamento ambiental segue três etapas:
- Licença Prévia: avalia a viabilidade do projeto;
- Licença de Instalação: autoriza as obras;
- Licença de Operação: permite o funcionamento.
O Projeto Santa Quitéria ainda está na primeira fase. É nessa etapa que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é elaborado, apresentado e analisado. A DPU segue cobrando a consulta prévia e informada a indígenas e quilombolas, conforme a Convenção 169 da OIT; os planos de emergência para vazamentos radioativos e o monitoramento independente da qualidade da água e do ar.
Próximos passos
O novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) segue em análise pelo Ibama, com conclusão prevista para o primeiro semestre de 2025. Paralelamente, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) avalia o licenciamento nuclear.
Enquanto isso, a Defensoria Pública da União mantém o acompanhamento do processo, promovendo articulações com órgãos públicos e organizações da sociedade civil. A instituição também estuda eventuais medidas judiciais ou extrajudiciais, caso sejam identificadas irregularidades ou riscos relevantes, visando assegurar o respeito aos direitos das comunidades envolvidas.
Como parte desse esforço, a DPU solicitou informações a instituições, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e segue dialogando com outros órgãos do sistema de justiça para construir estratégias conjuntas de monitoramento e atuação no caso.
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União