DPU – Direitos Humanos

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Reunião discute a situação de famílias do Acampamento Zé Maria Tomé no Ceará

Fortaleza – A Defensoria Pública da União (DPU) em Fortaleza (CE) participou, no dia 4 de abril, de uma reunião com representação da Casa Civil do Governo do Estado do Ceará, de movimentos sociais e organizações governamentais e da sociedade civil para buscar uma negociação em favor das agricultoras e agricultores familiares do assentamento Zé Maria Tomé, no Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi, na Chapada do Apodi, interior do Ceará.

As mais de 64 famílias que moram e vivem da agricultura familiar naquele território estão sob ameaça de expulsão de suas terras por uma ação de reintegração de posse movida em 2014 pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e pela Federação das Associações do Perímetro Irrigado Jaguaribe Apodi (FAPIJA). Outra ação movida por um particular também pede remoção das famílias da área onde situa-se o acampamento Zé Maria Tomé.

A ação de reintegração de 2014, em trâmite na 15ª Vara Federal, avança mesmo diante do descumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado no ano de 2010, em Ação Civil Pública, entre o DNOCS e o Ministério Público Federal (MPF), que previa a destinação de 1.000 hectares de terra para moradia e plantio de agricultoras e agricultores familiares de baixa renda.

A reunião busca uma negociação ampliada, com participação do Governo do Estado do Ceará, para garantir uma solução extrajudicial desses conflitos.

Participaram do encontro a representante da Casa Civil, Denise Carrá; a defensora regional de direitos humanos no Ceará, Lídia Nóbrega; o superintendente do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), João Alfredo Teles; o representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Francisco Flávio; e representantes do Assentamento Zé Maria Tomé, da Cáritas Limoeiro, da Universidade Estadual do Ceará e da Secretaria de Proteção Social do Governo do Estado.

Na ocasião, Lídia Nóbrega fez um balanço da situação dos processos judiciais envolvendo o assentamento e das medidas tomadas até o momento. “É fundamental, no momento, a suspensão da reintegração de posse e garantir o cumprimento do TAC”, afirmou.

O superintendente do Idace pontuou a necessidade de garantir a extinção do processo movido pelo particular, uma vez que ele possui uma série de irregularidades, como a falta de perícia para identificação da área. “Como se tem uma decisão judicial sem uma perícia no local, apenas com a declaração da pessoa afirmando ser dona da terra que está reivindicando?”, questionou.

Com relação ao processo movido pelo particular, André*, um dos assentados, denuncia a não comprovação efetiva da propriedade das terras em litígio. “A gente conhece a área há muitos anos e sabe que muitas das terras que eles dizem ser deles não são. A gente vê a contradição que tem de ser área do perímetro do DNOCS e ser agora uma área particular”, apontou.

“Morando há nove anos no acampamento, fico muito preocupada porque sei que as famílias estão dispostas a defender a terra. A gente está sobrevivendo dela. A gente chegou lá, não tinha nada. Hoje, nós temos uma produção feita somente com nossos esforços. Eles querem ganhar a terra e a nossa mão de obra. A gente não quer viver escravo dessas empresas do agronegócio, queremos trabalhar para as nossas famílias”, afirmou Luana*, outra assentada presente.

Na reunião, a representante da Casa Civil disse que há interesse em contribuir para resolução do entrave.

Entenda o caso

Trata-se de um grave conflito fundiário, que envolve a reintegração de posse do perímetro irrigado de Jaguaribe-Apodi, localizado na Chapada do Apodi, na divisa entre o Estado do Ceará e o Rio Grande do Norte. Cerca de 150 a 200 famílias ocuparam a região desde o descumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

O conflito agravou-se, em abril de 2010, quando Zé Maria Tomé, liderança comunitária na região do Jaguaribe, foi assassinado em Limoeiro do Norte (CE). A vítima era ameaçada por denunciar o uso indiscriminado de agrotóxicos, o descumprimento da Lei Municipal nº 1.278/2009, que proibia a pulverização aérea de agrotóxicos no município de Limoeiro do Norte, as grilagens de terras no perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi e a expulsão de pequenos agricultores do perímetro.

Além do processo de reintegração, outra ação movida por particular ameaça a moradia e subsistência das famílias.

Atuação da DPU

A atuação da DPU no processo iniciou em 2014, quando foi intimada sobre sentença da ação de reintegração de posse em ação movida inicialmente pela Federação das Associações do Perímetro Irrigado Jaguaribe Apodi (FAPIJA) em desfavor do MST, objetivando reintegração de posse em imóvel de propriedade do DNOCS, objeto de esbulho pela FAPIJA.

A DPU interpôs recurso contra a sentença em 2014. Em 2017, o órgão também interpôs agravo de instrumento em defesa dos agricultores e agricultoras, alegando, entre outras questões, que a solução consensual do impasse não foi priorizada, de modo que deveria ser impedida a reintegração de posse nesse contexto.

Em 2014, o próprio DNOCS, em reunião com representantes do MST e dos agricultores familiares ocupantes da área, havia se comprometido a pedir a suspensão da decisão liminar de reintegração de posse. Além disso, a fim de efetivar os compromissos assumidos no TAC, o DNOCS criou a Portaria Ministerial e Grupo de Trabalho Interministerial para viabilizar um projeto de assentamento dos agricultores familiares. Porém, o TAC nunca foi cumprido e o DNOCS deu andamento à ação de reintegração de posse sem o reassentamento das famílias.

A DPU solicitou, ainda, que fosse extinta a execução da ação por perda superveniente de interesse de agir, diante dos atos adotados pela Administração Pública, no sentido de dar cumprimento ao TAC, com destinação da área em litígio aos atuais acampados. A Defensoria também pediu ao juiz que determinasse uma perícia para identificação da desocupação do Canal do Trabalhador (área do perímetro que se encontrava ocupada, mas que foi desocupada pelas famílias em cumprimento aos acordos) e cadastramento da família para identificação do perfil dos beneficiários do TAC. Porém, os recursos ajuizados pela DPU foram negados.

Com a suspensão dos despejos coletivos forçados durante a pandemia em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), as famílias permaneceram no território nos últimos anos, porém, com a progressiva retomada de cumprimento das ordens de reintegração de posse coletivas e com a situação já avançada do processo judicial, a DPU, os movimentos sociais e as instituições participantes da reunião buscam uma solução negociada para o conflito.

*Nomes fictícios para preservar as identidades dos assentados.

ABR/GGS
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União