DPU – Direitos Humanos

Nota técnica do GT de Políticas Etnorraciais sobre caso João Freitas

O Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União (GTPE-DPU), no exercício de suas atribuições insculpidas no art. 4º, incs. V, VII e X da Lei Complementar 80/1994 c/c Portaria nº. 200/2018, da Defensoria Pública Geral da União, amparadas no art. 134 da Constituição Federal, por meio de seus membros que abaixo subscrevem, vem se manifestar a respeito do cruel assassinato do Sr. João Alberto Silveira de Freitas, na noite de ontem (19), em Porto Alegre/RS, às vésperas do Dia da Consciência Negra.

O dia 20 de novembro é nacionalmente lembrado como a data de morte de Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência da população afrobrasileira contra a escravização, a exploração e a desumanização de negros e negras. A preocupação com a data vem de muita pressão do Movimento Negro, que historicamente luta no combate à discriminação racial e enfrenta diariamente os diversos crimes de ódio cometidos contra a população negra.

Em meio a uma crise pandêmica avassaladora, casos como o de George Floyd, nos Estados Unidos, e de João Pedro, no Brasil, evidenciam a perpetuação do racismo estrutural e institucional, especialmente no âmbito da atuação policial. E este 2020 tem sido certamente um ano emblemático por conta das diversas manifestações antirracistas que eclodiram desde junho em todo o mundo contra a desigualdade racial.

É de se destacar que as similaridades do caso de João Alberto com o de George Floyd, asfixiado e morto pela polícia estadunidense em maio de 2020, não são poucas. No vídeo da agressão é possível identificar o movimento de dominação dos agressores sobre o corpo da vítima, colocando a perna no pescoço ou no tórax, enquanto aquela segue incapaz de reagir. A abordagem, além de perturbadora, é o registro do ódio historicamente cultivado contra a população negra.

Ademais, um dos responsáveis pelo homicídio é policial militar temporário, cujas técnicas de violência não destoam das que assistimos em atuações da própria polícia. É evidente que, embora o incidente tenha acontecido em estabelecimento privado, a violência cometida na noite de ontem em Porto Alegre/RS também reflete a cultura da violência institucional das polícias no Brasil. Não por acaso, somente em 2019, foram 6.357 indivíduos mortos pelas autoridades policiais no Brasil, sendo 79,1% pessoas negras.[1]

A reação do Movimento Negro é, como sempre, imediata. São diversas as manifestações nas redes sociais e próximas ao supermercado Carrefour, na Zona Norte de Porto Alegre/RS, contra o ato de violência e de racismo. Sem dúvidas, a mobilização da população, principalmente neste momento de pandemia que vulnerabiliza ainda mais o povo negro, é fundamental para enfrentar as discriminações raciais cotidianas.

O que precisa se tornar igualmente imediata é a atuação das Instituições no papel de combate ao racismo estrutural e institucional. O Estado do Rio Grande do Sul, há poucos meses, também foi palco do caso de Gustavo Amaral, jovem negro assassinado pela polícia militar ao ser supostamente confundido com um criminoso em fuga, cuja repercussão demonstrou a ausência de respostas efetivas por parte dos órgãos responsáveis.

Deve-se ter em vista que o tratamento de casos como esse tornam-se precedentes de permanência da cultura da violência. Portanto, para além da necessária apuração e responsabilização dos envolvidos no assassinato de João Alberto, é urgente e necessária a autorreflexão por parte das forças policiais sobre o tema, bem como a mobilização dos órgãos de estado envolvidos no controle da atividade policial.

Nesse sentido, o GTPE-DPU destaca sua participação no Grupo de Trabalho de Combate à Violência Contra a População Negra do Estado do Rio Grande do Sul, no qual vem trabalhado junto a membros de órgãos públicos, conselhos e entidades da sociedade civil organizada, propostas de prevenção e redução da violência policial e da discriminação racial.

Em um país onde a democracia racial é forjada, a cada 23 minutos um caso como o de João Alberto acontece. O símbolo que carrega a data de hoje não pode ser ignorado quando, o que era pra ser um momento de reflexão e comemoração do protagonismo negro na luta pela emancipação, torna-se mais um dia de dor pelo cruel assassinato de uma pessoa negra.

Isto posto, o Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União (GTPE-DPU) manifesta profundo REPÚDIO ao assassinato do Sr. João Alberto Silveira de Freitas, exigindo desde já a apuração dos fatos pelas autoridades competentes e a imediata responsabilização dos agressores. Presta, ainda, solidariedade à família, reforçando a importância da mobilização contra essa atrocidade e as dinâmicas sociais e institucionais que permitem que casos como esse se repitam cotidianamente.

Vidas Negras Importam!

Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais
Defensoria Pública da União