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DPU entra na Justiça para que Incra realize consulta prévia em projetos de impacto em assentamentos

Brasília – A Defensoria Pública da União (DPU) ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP) contra a União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para garantir a realização de consulta prévia, livre e informada junto a comunidades afetadas em assentamentos rurais por empreendimentos minerários, de energia e de infraestrutura. A ACP é assinada pela defensora nacional de Direitos Humanos (DNDH), Carolina Castelliano, e pelo defensor regional de Direitos Humanos (DRDH) substituto no Pará, Pedro Wagner Assed.

A DPU requer tutela provisória de urgência para que não sejam concedidas novas autorizações, anuências ou manifestações sem a observância do direito à efetiva participação social das famílias assentadas, conforme prevê a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

A ação destaca a existência de mais de 17 mil processos minerários incidentes sobre áreas de assentamento rural, conforme relatório produzido pela DPU, o qual teve como base pedidos de informações enviados ao Incra e à Agência Nacional de Mineração (ANM).

“A análise das informações reunidas revelou um quadro institucional grave, caracterizado por omissões reiteradas, ausência de diretrizes técnicas mínimas e completa desconsideração dos parâmetros estabelecidos pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), especialmente no que se refere ao dever de consulta prévia, livre e informada às comunidades potencialmente afetadas”, diz o texto.

O relatório demonstrou a inexistência de protocolo institucional de participação social ou de consulta, além da realização de consultas promovidas pelas próprias empresas interessadas, sem a participação estatal. O documento revela “com clareza e riqueza de detalhes, que a omissão estatal quanto ao cumprimento do dever de realizar consulta prévia, livre e informada às comunidades assentadas não é pontual, mas sistemática, reiterada e institucionalizada”.

Embora não questione a validade abstrata da Instrução Normativa nº 112/2021 do Incra, a qual trata da anuência do uso de área em projetos de assentamento por esses tipos de empreendimentos, a ACP enfatiza que a norma não contempla o direito à efetiva participação social e/ou consulta prévia, livre e informada das comunidades assentadas. O documento limita-se a prever, em termos genéricos, a possibilidade de realização de audiência pública.

O artigo 16 da normativa trata a audiência pública como facultativa e dependente de juízo discricionário da administração, condicionada à existência de ‘conflito declarado’. “Essa lacuna normativa de forma alguma pode ser utilizada como pretexto para a flagrante violação que vem ocorrendo à Constituição Federal e à Convenção 169 da OIT”, argumentam os defensores.

Convenção nº 169

A Defensoria destaca que a consulta não constitui procedimento acessório, mas “sim a manifestação concreta do direito dessas comunidades à autodeterminação territorial e cultural, especialmente diante de projetos que possam causar rupturas em suas formas de existência”. Além disso, a omissão do Estado na implementação dessas medidas compromete a legalidade e viola compromissos internacionais.

A Convenção nº 169 da OIT possui status supralegal, conforme entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A consulta prévia, livre e informada de povos e comunidades tradicionais também atende a princípios constitucionais basilares, como o princípio da publicidade, da transparência administrativa e da segurança jurídica.

Impactos

Além dos argumentos de ordem teórica, normativa e jurisprudencial, a DPU pontua “os graves prejuízos concretos suportados pelas comunidades residentes em áreas de projetos de assentamentos, especialmente no que se refere à segurança, ao deslocamento compulsório e à degradação ambiental dos territórios”. Entre eles, denúncias de conflitos agrários em áreas de empreendimentos.

Também se verifica o deslocamento compulsório de famílias. De acordo com a ação, a instalação de empreendimentos em áreas de assentamentos da reforma agrária acarreta “severa deterioração das condições de vida e de subsistência da população assentada”. Os impactos negativos, portanto, atingem diretamente a capacidade produtiva, a organização socioeconômica comunitária e a própria permanência das famílias no território.

Há ainda impactos de natureza ambiental. Especialmente projetos minerários, comprometem de forma significativa a fertilidade do solo, a qualidade e a disponibilidade dos recursos hídricos, além de provocar a perda de biodiversidade nos sistemas produtivos locais, fragilizando ainda mais a sustentabilidade ambiental e econômica dos assentamentos.

Violações

O texto da ACP cita casos exemplares para compreensão do problema. Um deles é o da empresa Piermont Mineração, em Cáceres, no Mato Grosso, que atua na extração de mármore. Caso sejam deferidos, os títulos minerários requeridos por essa única empresa irão abranger aproximadamente 4.780 hectares (47,8 km²) – extensão territorial superior à de cidades inteiras, como Olinda (PE) –, afetando diretamente, ao menos, dois projetos de assentamento: Laranjeiras 1 e Ipê Roxo. Não houve, no entanto, nenhuma participação social dos assentados.

Outro exemplo vem do Rio Grande do Norte. De acordo com a superintendência do Incra no estado, tramita na unidade um processo referente à concessão de uso onerosa formulada pela empresa Fomento do Brasil para fins de exploração de minério de ferro. Trata-se de uma área de aproximadamente 8,6 mil hectares, localizada nos Projetos de Assentamento Potengi e Passagem do Juazeiro, nos municípios de Serra Caiada, Lagoa de Velhos e Senador Elói de Souza, extensão equivalente à cidade de Vitória (ES). Mais uma vez, sem que houvesse consulta prévia à população impactada.

Já em Piripi, no Piauí, o Projeto de Assentamento Residência, instalado em 2021, lida com os impactos da exploração minerária da Lion Mining Empreendimentos e Participações Ltda., empresa com sede em Brumadinho (MG). Nesse caso, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do empreendimento foi produzido pela empresa de consultoria Geospace Engenharia a pedido da Lion Mining Mineradora.

“Não é exagerado dizer que, na atual conjuntura, residir em áreas de assentamento rural no Brasil significa estar submetido a um grave e iminente risco de deslocamento compulsório ou de comprometimento da própria subsistência e dos modos de vida”, alerta a ação.

Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União