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No Mato Grosso, DPU realiza escuta qualificada na TI Areões e participa de reunião sobre construção de ferrovia

Foto: Diego Camara/ASCOM DPU

Nova Nazaré – Nos dias 2 e 3 de dezembro, a Defensoria Pública da União (DPU) esteve pela primeira vez na Terra Indígena (TI) Areões, na Aldeia Cachoeira, município de Nova Nazaré (MT). O objetivo foi ouvir os povos indígenas e comunidades A’uwe Xavante, propor estratégias de defesa e participar de uma reunião envolvendo a empresa pública Infra S.A., responsável pela construção da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), que tem projeto para cruzar territórios reivindicados pelos povos indígenas da região. 

No dia 2, a equipe da DPU se dirigiu até a Aldeia Cachoeira, localizada na TI Areões, para ouvir grupo de caciques e lideranças indígenas das mais de 50 aldeias que compõem o território. O objetivo foi promover uma escuta ativa da população indígena, conhecer as dificuldades e problemas que passam as comunidades da região e discutir modos de atuação no processo de assistência jurídica sob responsabilidade do defensor regional de direitos humanos no Mato Grosso, Renan Sotto-Mayor. 

Diversos dos caciques e líderes indígenas se posicionaram, deixando claro os riscos e impactos que serão causados pela ferrovia, em especial nas áreas de caça e coleta xavante, pedindo a ampliação do território da TI Areões e melhorias nas áreas de saúde e educação. Todos desejam ser ouvidos e consultados sobre a construção do empreendimento. 

Também são grande preocupação das lideranças as novas gerações e o crescimento da população A’uwe Xavante, diante da redução dos recursos naturais nas áreas, que são impactados pelos grandes empreendimentos e pela exploração da agricultura e pecuária da região. Muitos disseram não acreditar nas compensações, já que em outros empreendimentos elas também não foram realizadas. 

“A partir do momento que vocês procuraram a gente, fizemos uma recomendação falando sobre a necessidade da consulta prévia, que é um direito fundamental previsto na Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], deixando claro que tudo o que for impactar povos indígenas e comunidades tradicionais tem que passar por consulta. Não podemos ter empreendimento sem consulta aos povos indígenas”, afirmou Sotto-Mayor. 

O defensor exprimiu grande temor em relação aos relatórios sobre a situação dos indígenas da TI Areões, que demonstram a necessidade da demarcação total dos territórios pertencentes ao povo xavante. “A demarcação foi feita de forma muito equivocada, simplesmente preservando fazendas e não demarcando a terra indígena como deveria ter sido demarcada”, comentou o defensor. 

Reunião 

 No dia 3, a DPU retornou até a TI Areões com o objetivo de participar de reunião com a Infra S.A., em que também estavam presentes equipes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ministério dos Transportes e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), como também Jecinaldo Barbosa Cabral, liderança indígena dos Sateré-Mawé e ocupante do cargo de assessor especial do MPI. 

Os indígenas, antes de tomarem a palavra, fizeram um ritual para iniciar a reunião, em que todas as lideranças deram as mãos e entoaram um cântico chamado “Não queremos ferrovia”. Eles foram convidados a tomar a palavra para apresentar suas demandas à Infra e aos outros órgãos e instituições presentes. 

“Antes de falarmos sobre compensação, precisamos ter a consulta, pois não teve, isso nunca aconteceu. A licença emitida pelo [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] Ibama em 2020 não nos respeitou”, comentou Silvério Tsereburã Tserenhib’ru Xavante, cacique geral da TI Areões. “A nossa preocupação é muito grande pelo impacto da ferrovia. Se tiver recursos, demarca, mas se não tiver, pode parar a construção e mudar o trajeto”. 

“A natureza está castigando nós. A culpa é de quem? A culpa é do branco. A culpa é do rico. Só os indígenas que sabem. O homem branco não percebe”, afirmou Victorino, ancião indígena que vive na TI São Marcos. Ele nasceu e seus ancestrais viveram e foram enterrados na região não demarcada da TI Areões. “Os brancos não nos respeitam, reclamam de nós, nos mataram. E agora dizem que passar a ferrovia é bom? Pra eles, pra vocês é bom, pra nós, não”, completou. 

“E demarcar terra indígena, não tem recurso? E respeitar o cemitério lá? Tem que demarcar. Muitos fazendeiros proíbem a gente de caçar nas terras deles. Então, se demarcar a terra, nós mudaremos de ideia, mas primeiro é preciso demarcar”, afirmou Carlos Xavante, cacique da aldeia indígena Campo Alegre. Ele reforçou a importância das terras indígenas, que são essenciais para a preservação do Cerrado, tomado por empreendimentos agropecuários. 

Os diversos caciques e lideranças indígenas presentes assinaram em conjunto uma carta, que foi entregue a todos os órgãos públicos representados na ocasião. No documento, as lideranças afirmam não estarem de acordo com os encaminhamentos realizados pela Funai para o plano de trabalho de componente indígena da construção da FICO, como também o fato de que o Ibama não respeitou o direito à consulta prévia, livre e informada dos indígenas Xavante. 

“O estudo do qual participamos em 2013 não recomendou a execução da obra porque a FICO danifica as nossas formas de vida, afetando a caça, nossas águas, a pesca, nossa vida ritual e nossa vida espiritual”, comenta a carta, que informa também os diversos impactos já realizados no entorno das terras indígenas por rodovias federais e estaduais. O documento também cobra a demarcação de terras, não como compensação pela construção da FICO, mas como um direito dos povos indígenas da região que aguardam há décadas pela finalização dos processos. 

Ferrovia de Integração Centro-Oeste 

A Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO) é um projeto ferroviário que promete impulsionar a produção agrícola e mineral no Cerrado Brasileiro, conectando a Ferrovia Norte Sul na cidade de Mara Rosa, Goiás, e chegando até a cidade de Vilhena, Rondônia, cruzando todo o Mato Grosso. O primeiro trecho já está em construção, com bloqueio realizado nas cercanias da cidade de Cocalinho (MT). A FICO é parte do projeto da Ferrovia Transoceânica, que pretende conectar os portos do litoral brasileiro até o litoral do Oceano Pacífico no Porto de Chancay, no Peru. 

Veja mais fotos.

Leia mais: Nota de pesar: falecimento de Silvério Tsereburã Tserenhib’ru Xavante 

DCC/GGS 
Assessoria de Comunicação Social 
Defensoria Pública da União