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Encontro quilombola marca encerramento da prática ‘A DPU Vai Aonde o Povo Pobre Está’

Mangaratiba – A paradisíaca Ilha da Marambaia, situada em Mangaratiba, na Costa Verde do Rio de Janeiro foi, em sua origem, reduto do povo Tupinambá. Depois, passou por maus momentos sendo administrada por escravocratas. Foi usada, inclusive, como uma espécie de “entreposto de engorda”, onde negros trazidos da África, debilitados pelo tráfico, eram mantidos durante alguns meses para serem recuperados antes de seguirem para o trabalho escravo nas fazendas de café ou serem vendidos nos mercados. 

Este mesmo local de luta e resistência, cenário de diversos conflitos ao longo de décadas, de imposição de restrições e tentativas de expulsão, no dia 13 de setembro, foi palco do VI Encontro de Comunidades Quilombolas do Sul-Fluminense e Costa Verde, promovido pela Defensoria Pública da União (DPU) em parceria com as lideranças das comunidades quilombolas. 

O evento marcou o encerramento da prática ‘A DPU Vai Aonde o Povo Pobre Está’, iniciativa da DPU, que realizou diversas atividades junto a comunidades e grupos em situação de vulnerabilidade no período de 2016 a 2025. 

VI Encontro de Comunidades Quilombolas do Sul-Fluminense e Costa Verde 

Na sexta edição do encontro de comunidades quilombolas, coube a sede da Associação da Comunidade dos Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia (Arqimar) receber moradores locais, representantes de comunidades quilombolas de Angra dos Reis, Mangaratiba, Paraty, Quatis e Rio Claro, além de diversas instituições públicas e organizações da sociedade civil. Foi um dia de escuta ativa, trocas de experiências e reafirmação da luta quilombola por dignidade, reconhecimento e permanência em seus territórios. 

Ausência de transporte público marítimo – “A luta é muito grande, muito difícil e ela é constante”, afirmou Fábio Marçal, presidente da Aqimar. “Nós, até hoje, não conquistamos aquilo que está na Constituição, que é o direito de ir e vir. Os nossos jovens também querem estar na UFRJ, na Uerj, se formarem em doutores. Mas eles não conseguem acessar porque, para ir, eles precisam abandonar o quilombo”, lamentou. 

“Hoje, dependemos exclusivamente da embarcação da Marinha para nos deslocarmos até o continente, o que limita nossa autonomia e nos coloca em situação de vulnerabilidade. A nossa prioridade, nesse momento, é buscar aquilo que está garantido por lei. Nós conhecemos bem a lei que rege o país. Conhecemos muito bem os direitos que nós temos. A nossa dificuldade é não conseguir acessar”, ressaltou. 

“A nossa luta hoje é a necessidade de um transporte público, que o Estado tem a obrigação de oferecer. Porque os nossos jovens quilombolas têm o direito de estudar e têm direito de retornar para os seus quilombos, para as suas casas”, completou Fábio Marçal. 

Isolamento das comunidades – Cristiana Moreira, presidenta da Associação dos Remanescentes do Quilombo Santana, em Quatis (RJ), destacou a situação de isolamento. “Todas as comunidades são iguais. Só muda o endereço. O maior problema das comunidades tradicionais quilombolas é o isolamento. Necessitamos do transporte público”, destacou. 

Cristiana relatou situações de jovens que foram obrigados a largar os estudos nas universidades. “Parar por causa de transporte público, que o estado é obrigado a fornecer, é muito triste. E não somente o transporte público, mas uma conjuntura inteira. A falta de transporte público, a falta de saneamento básico, a falta da educação, da saúde… Nada se resolve”, reclamou. 

“São muitas as coisas que ficam guardadas porque, nas nossas comunidades, a gente não tem com quem conversar, não tem a quem levar nossos problemas. Então, quando a gente tem esses encontros que a DPU proporciona, isso é gratificante porque a gente tem com quem falar, tem a quem pedir”, completou. 

Educação quilombola, importância da união e falta de transporte – Bia Nunes, presidenta da Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), também destacou a questão problemática do transporte e a importância da união para vencer os desafios enfrentados pelos quilombos da região. 

“A gente precisa de fato unir forças. A gente precisa falar o que está ainda fazendo nó na nossa garganta, que é a situação que os nossos territórios quilombolas passam dentro do estado do Rio de Janeiro. Nós precisamos discutir a situação das escolas, que não avançam com a educação quilombola dentro dos territórios, e falar do transporte”, afirmou. 

“A nossa demanda é muito grande, mas a gente precisa falar primeiro dessas emergências, que nos afetam diretamente, que é a educação das nossas crianças, a capacitação e qualificação dos nossos jovens e o transporte pro nosso povo”, pontuou Bia. 

Ausência de políticas públicas e envelhecimento da comunidade – “O jovem vai chegando à idade de 18 anos e quando ele não vê uma perspectiva econômica dentro do seu território, ele vai saindo das comunidades para buscar um meio de vida lá fora. Isso pra gente é muito ruim porque vai dizimando a nossa comunidade”, alertou Benedito Leite Filho, o Bené, presidente da Associação Quilombola Alto da Serra do Mar, no município de Rio Claro (RJ). 

“Nós lutamos pra que nossos jovens realmente possam buscar um meio de vida digno dentro do seu próprio território”, afirmou. Bené falou, ainda, sobre a iniciativa ‘A DPU Vai Aonde o Povo Pobre Está’. “Esse projeto, além de unir o nosso povo quilombola, as comunidades tradicionais em si, ainda traz o poder público para nos escutar. Então, é um momento muito rico pra nós, enquanto comunidade”, opinou. 

Energia elétrica no Quilombo de Santa Justina e Santa Izabel – Vicente da Conceição Victor, importante liderança do Quilombo Santa Justina e Santa Izabel, em Mangaratiba, também marcou presença. “Pra conseguir melhoria, a gente infelizmente depende do poder público local”, afirmou. “Já passou da hora de Marambaia ter a sua própria lancha pra poder se transportar de um lado para o outro”, completou. 

“Hoje, nós estamos tendo o nosso acesso à energia elétrica. Mas a energia elétrica está chegando não é porque a prefeitura está colocando. A energia elétrica está indo para lá porque a Defensoria Pública da União, a DPU, tem lutado com os outros órgãos, como a Defensoria do Estado, em prol da energia elétrica dentro do Quilombo de Santa Justina e Santa Izabel”, contou Vicente. 

Outros deveriam ir aonde o povo pobre esteja – “Todos os quilombos têm a raiz no quilombo de Marambaia. Nossos antepassados, eles chegavam primeiro aqui, pra engorda, e depois eram distribuídos para o continente. Se Marambaia sofre, a gente sofre também”, ressaltou Marilda de Souza Franscisco, liderança do Quilombo Santa Rita de Bracuí. 

“A gente tem o projeto ‘A DPU vai aonde o povo pobre está’. Será que o médico também não pode ir aonde o povo pobre está? Será que o professor também não pode ir aonde o povo pobre está? Se a DPU vai aonde o povo pobre está, o médico, o professor, tudo, tem que ir aonde o povo pobre está” refletiu. 

“Por que, no decorrer do tempo, a gente tem que ficar pedindo, como diz o povo, com o pires na mão uma coisa que é nosso direito? Que venham outros aonde o povo pobre está”, concluiu Marilda. 

Resistir é existir – “Quilombo é um lugar de resistência. E resistir é existir. Se nós ainda existimos, é porque nós resistimos”, sintetizou Luís Claudio dos Santos, vice-presidente da Associação de Moradores do Quilombo do Campinho da Independência (Amoqc). 

Dia de debates e confraternização 

Além da mesa com lideranças quilombolas e convidados, fizeram parte da programação café da manhã e almoço tradicionais e apresentação cultural com muita música e dança em ato de valorização da cultura afro-brasileira. 

Estiveram presentes, representantes dos quilombos da Ilha da Marambaia (Mangaratiba], Santa Rita do Bracuí (Angra dos Reis), de Santana (Quatis), Campinho da Independência (Paraty), Santa Justina/Santa Izabel (Mangaratiba) e Alto da Serra (Lídice, Rio Claro). 

A DPU foi representada pelos defensores públicos federais Claudio Luiz do Santos, coordenador da prática ‘A DPU Vai Aonde o Povo Pobre Está’ e ponto focal no Rio de Janeiro do Grupo de Trabalho (GT) Comunidades Tradicionais; Gleidson Renato Martins Dias, ouvidor-geral da DPU; Kleber Vinicius Bezerra Camelo de Melo, membro representante da Região Centro-Oeste do GT Comunidades Tradicionais; e pela defensora pública federal Taísa Bittencourt Leal Queiroz, defensora pública-chefe da DPU no Rio de Janeiro e defensora regional de Direitos Humanos no Rio de Janeiro (DRDH/RJ). 

Participações institucionais 

Além da DPU, participaram do encontro representantes da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE/RJ); da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); do Instituto Tereza de Benguela de Direitos Humanos; da Secretaria de Estado de Esporte e Lazer do Rio de Janeiro; do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (Iterj); do Fórum Estadual de Defensores de Direitos Humanos; da Marinha do Brasil; do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF). campus de Volta Redonda; e da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos de Economia Solidária do Médio Paraíba (Intecsol). 

Acesse aqui as imagens do evento. 

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Assessoria de Comunicação Social 
Defensoria Pública da União