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OIT recomenda que Brasil realize titulação das comunidades quilombolas de Alcântara (MA)

Genebra – A Organização Internacional do Trabalho (OIT) emitiu no último Relatório do Diretor Geral uma série de recomendações ao Estado brasileiro a respeito dos impactos que envolvem a realocação de comunidades quilombolas do município de Alcântara (MA) na construção e expansão do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Uma reclamação feita pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alcântara e o Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar de Alcântara em 2019 acusa o governo brasileiro de não cumprir a Convenção OIT n°169 de 1989, sobre Povos Indígenas e Tribais, em vigor no Brasil desde 2002.

Os sindicatos acusam o governo brasileiro, entre outras denúncias, de violar diversos artigos da Convenção, em especial no descumprimento da consulta prévia, livre e informada com relação ao acordo firmado entre Brasil e Estados Unidos para uso do CLA. Além disso, apontam também o não cumprimento do acordo firmado em 1983 com o Ministério da Aeronáutica para a instalação do Centro, que resultou no deslocamento forçado de 312 famílias entre 1986 e 1988.

Ao receber as acusações, a OIT instalou comitê tripartite para analisar a denúncia, composto por representantes de governo, empregador e trabalhador. Em seu relatório, o comitê aponta a necessidade de que o governo brasileiro conclua o processo de titulação das terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades quilombolas de Alcântara, com a participação efetiva dos interessados, e que forneça informações sobre o acompanhamento do caso na próxima sessão da OIT.

O relatório aponta também a necessidade do consentimento livre e plenamente informado das comunidades quilombolas para a realização de qualquer realocação de famílias nas fases de expansão do CLA, com o processo tendo ampla participação de lideranças comunitárias, com tempo suficiente para os processos internos de tomada de decisão pela população quilombola. Esse processo deve vir em conjunto com estudos de impacto social, ambiental, espiritual e cultural que os projetos de expansão do CLA teriam sobre as comunidades que vivem na região. De acordo com dados dos sindicatos, mais de 40 comunidades seriam removidas de seus territórios caso se concretize o projeto de ampliação da base.

A respeito das famílias já deslocadas nas fases I e II de implementação do CLA, a OIT se posicionou afirmando na necessidade da garantia de que estas comunidades tenham a capacidade de realizar suas atividades tradicionais e de subsistência, com acesso à praia e à pesca, e que o governo cumpra com a assistência técnica e financeira adequadas para a realização das atividades tradicionais em consonância com o desenvolvimento sustentável da região.

“As recomendações da OIT ao Estado brasileiro, além de inéditas em nível global, servem como um importante passo para o reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades quilombolas no Brasil”, comentou o defensor público federal Yuri Costa, coordenador do Grupo de Trabalho Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União (DPU), que acompanha o caso das comunidades quilombolas de Alcântara. “Esperamos que a etapa seguinte desse reconhecimento seja o julgamento da violação a direitos dos quilombolas de Alcântara pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que deve ocorrer nos próximos meses”.

O relatório completo pode ser visto aqui.

Entenda o caso

O projeto do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) começou a ser elaborado ainda na década de 1970 pela Força Aérea Brasileira. Durante sua construção, já na década de 1980, foram desapropriadas de suas terras 312 famílias de 32 povoados que compõem o território étnico de Alcântara, nas fases I e II de construção do CLA. Essas comunidades foram reassentadas em sete agrovilas e enfrentam até hoje os impactos dessa mudança forçada, com dificuldades de renda, na produção de alimentos e acesso ao mar.

Já as comunidades que permaneceram em seus territórios tradicionais, estão, há mais de 40 anos, sob constante tensão e ameaças de novas expulsões para expansão da base aérea pelo litoral, com projetos planejados e/ou executados pelo Estado, sem nenhum tipo de consulta ou participação popular. A situação gera uma enorme insegurança sobre o futuro das várias comunidades quilombolas, sem garantias e segurança.

Isso levou a uma denúncia que foi apresentada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2001, por representantes de comunidades quilombolas do Maranhão e pelo Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara (MABE), Justiça Global, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão (FETAEMA), Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR) e Defensoria Pública da União (DPU). Em 2006, a denúncia foi considera admissível, sendo o processo enviado para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O julgamento foi iniciado em abril de 2023, quando, durante dois dias, a Corte focou as atenções no Brasil. Foram realizadas audiências que ouviram a população quilombola da região, especialistas, movimentos sociais, instituições e o governo brasileiro. Durante a audiência, o Estado brasileiro reconheceu, de forma pública, que violou os direitos de propriedade e de proteção jurídica das comunidades quilombolas de Alcântara, com um pedido de desculpas formal e informou que disponibilizaria declaração pública em página oficial do governo federal, além de se comprometer em viabilizar recursos financeiros para compensar as violações, o que ainda não ocorreu.

Atualmente, a ação na Corte se encontra aguardando julgamento final, o que deve ocorrer em breve.

*Esta matéria foi produzida conforme os seguintes objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da Agenda2030:
10- Redução das desigualdades
12- Consumo e produção responsáveis
16- Paz, justiça e instituições eficazes

(Foto: Divulgação/TV Brasil)

DCC/GGS
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União