Notícias
Estudo aponta possível impacto negativo da federalização de casos de saúde no acesso à justiça
Brasília – O envio para a Justiça Federal de todos os processos com pedidos de medicamentos que não estão na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) pode ter um impacto negativo no acesso à justiça, prejudicando a parcela mais vulnerável da população. A conclusão é do estudo “Federalização de Demandas de Saúde: identificação de processos sobre fornecimento de medicamentos não padronizados no SUS em tribunais federais e estaduais”, lançado nesta quarta-feira (28) pela Defensoria Pública da União (DPU) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Acesse o estudo completo aqui.
O possível encaminhamento dos casos à Justiça Federal está em análise pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.234. O estudo buscou apontar o impacto da adoção dessa federalização das demandas de saúde no sistema de Justiça e na população. Para isso, foram levantados números de processos de saúde sobre medicamentos não padronizados que tramitam nas Justiças Federal e Estadual, caracterizando esses processos quanto à localidade de maior concentração, proporção de processos em cada âmbito, tempo de tramitação por tipo de unidade e presença ou não da DPU nas unidades jurisdicionais em que são tramitados.
Entre os achados da pesquisa está o de que aproximadamente 40% dos processos nos anos de 2020, 2021 e 2022 tramitaram em regiões que não contavam com o serviço de assistência jurídica gratuita da DPU. “Coloca-se como um ponto de atenção que uma parte expressiva dos processos novos que tramitam no TRF1 (29%) e TRF4 (59%) [Tribunais Regionais Federais da 1ª e da 4ª Regiões] no ano de 2022 ocorreram em comarcas para as quais não há jurisdição da DPU”, destaca o estudo. Sem a presença da DPU para prestar atendimento, a assistência jurídica gratuita a quem precisa fica prejudicada, na esfera federal.
“Se a gente pensa que o processo de acesso à justiça já é elitizado no nosso país, a gente consegue refletir que a federalização da saúde pode adicionar uma barreira e dificultar ainda mais esse acesso, no caso, ao sistema de Justiça Federal”, afirmou a associada de pesquisa Lais Galinari. “A gente apresenta números, mas, no fim das contas, a gente está falando de pessoas que precisam de um medicamento para uma condição específica de saúde, de um tratamento, e que não vão ter acesso a um medicamento que muitas vezes é fundamental para garantir a qualidade de vida.”
Há ainda, conforme a publicação, uma discrepância entre a cobertura da Justiça Federal, com 984 unidades, e da Justiça Estadual, com 9,6 mil unidades, no país. A conclusão é de que essa diferença pode dificultar o acesso dos usuários ao sistema de justiça, no caso da federalização dos processos. E a Justiça Estadual ainda é a principal porta de entrada para pedidos de medicamentos que não estão padronizados no SUS. Em 2022, em todas as regiões do país, pelo menos metade dos processos começaram na esfera estadual. Em três das cinco regiões, esse índice foi superior a 68%.
A migração de processos da esfera estadual para a federal também poderia impactar de maneira distinta as diferentes regiões do país, segundo o relatório. Considerando apenas os processos novos abertos na Justiça Estadual, a transferência seria de até 9,1 mil processos, a depender da região – um aumento que poderia variar, na esfera federal, de 90% a 1.697%, também de acordo com a região. “A gente pode pensar no impacto que isso teria na dinâmica de trabalho das varas, do contingente de processos que se recebe nessas diferentes esferas estaduais e federais”, sugere Galinari.
Federalização preocupa
Coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde da DPU, Carolina Leite afirmou que o tema da federalização é debatido há bastante tempo na Defensoria, com preocupação. Leite lembrou das notas técnicas produzidas pela instituição sobre o tema. Na última, a Nota Técnica 4, publicada ano passado em parceria do grupo de trabalho com a Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) Cível, a Defensoria reforça sua postura institucional de “não aceitar a federalização de todo e qualquer processo de medicamento, mas apenas daqueles que não possuam registro junto à ANVISA [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] ou daqueles em que a União figurar como polo passivo da lide por opção voluntária da parte autora”.
A defensora destacou que não faz diferença, para quem tem boas condições financeiras, se o processo tramitará na Justiça Estadual ou Federal. Essa definição, no entanto, pode representar desafios para pessoas pobres. “Qualquer pessoa que estiver em território nacional, depender da saúde pública e for pobre vai ter que pensar em acessar a justiça, se ela não consegue aquele medicamento na via administrativa. O acesso ao Judiciário consiste no próprio acesso ao direito de saúde, é a consolidação desse direito”, salientou Leite.
A recepção dos processos na Justiça Federal foi mais um ponto de preocupação levantado pela coordenadora do GT Saúde. Ela entende que, antes da decisão do STF, é preciso analisar a estrutura federal para verificar como seria recebido esse grande número de processos – classificado por ela de “avalanche”. Um dos objetivos seria verificar se as liminares passariam por análise em tempo hábil.
Leite afirmou que a DPU está se articulando internamente para apresentar o resultado do estudo ao STF, de modo a subsidiar a decisão sobre a federalização dos processos de saúde. “Com esse estudo, a gente dá um passo importante para poder fundamentar, levar essa visão que a Defensoria Pública tem e não pode se calar diante da criação de uma nova barreira de acesso. Pelo contrário, nós somos um instrumento de acesso à justiça e temos que lutar por isso.”
Agenda 2030
Elaborado por meio do projeto “DPU em linha com a Agenda 2030”, o relatório da pesquisa foi lançado nesta quarta-feira (28), em evento online. O encontro fez parte da série de webinários “Populações em situação de vulnerabilidade e Agenda 2030”.
Além da apresentação realizada por Lais Galinari, associada de Pesquisa Qualitativa e Quantitativa do PNUD, o evento teve um debate com a defensora Carolina Leite, que coordena o GT Saúde da DPU. A mediação ficou a cargo da assessora-chefe de Planejamento, Estratégia e Modernização da DPU e gestora substituta do projeto “DPU em linha com a Agenda 2030”, Vanessa Barreto. A produção do estudo teve o apoio da coordenadora da Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) Cível da DPU, defensora Luísa Ayumi.
Assista à íntegra do evento:
Defensoria e PNUD atuam em colaboração no projeto “DPU em linha com a Agenda 2030”. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é um plano de ação global oficializado por 193 Estados-membros das Nações Unidas, incluindo o Brasil, na 70ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015. O propósito central está em erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir a paz e a prosperidade. O plano definiu 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas para a promoção do desenvolvimento sustentável.
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União