DPU – Direitos Humanos

Nota Pública: Caso Mariana Ferrer

Brasília – O Grupo de Trabalho Mulheres da Defensoria Pública da União vem a público se manifestar sobre os vídeos divulgados na mídia a respeito das ofensas sofridas pela sra. Mariana Ferrer em sua oitiva na condição de vítima durante audiência de instrução e julgamento em processo criminal que tramita na 3ª Vara Criminal de Florianópolis para apuração do delito de estupro de vulnerável (artigo 217-A c/c §1º, do Código Penal).

É inadmissível que o sistema de justiça, guardião das garantias constitucionais e da tutela dos direitos humanos, permita a adoção de uma estratégia de defesa centrada na prática de violência contra a mulher. É evidente que a audiência judicial não pode ser um palco de humilhação e ridicularização da vítima de violência sexual.

Em um país onde a cada 8 minutos uma mulher é violentada*, é essencial que as instituições assegurem a proteção efetiva da vítima nos crimes contra a dignidade sexual, conforme compromissos internacionais previstos na Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW e pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará, assim como na Constituição da República e na Lei Maria da Penha.

A vítima de violência sexual tem direito à Justiça, bem como à devida assistência jurídica, psicológica e social. No entanto, é comum que não sejam acolhidas em delegacias e salas de audiências, sendo não raras vezes recebidas com dúvidas acerca de sua narrativa e perquirição sobre sua conduta moral. A vítima não pode ser julgada por fatos relacionados a sua vida privada e que em nada dizem respeito ao ato criminoso. Trata-se de postura processual aviltante no âmbito da apuração de crimes de violência contra a mulher, que visa exclusivamente desmerecer a palavra e a conduta da vítima.

A cada vez que são inquiridas sobre os fatos, as vítimas de violência são submetidas a novo sofrimento ao serem interrogadas, muitas vezes de maneira inescrupulosa, sendo obrigadas a relembrar e revivenciar de maneira dolorosa o trauma da violência. O depoimento em si já configura novo trauma à vítima nos processos de apuração de delitos contra a dignidade sexual.

Dessa forma, é fundamental uma perspectiva de redução de danos, independentemente do conteúdo meritório da ação, cabendo às instituições minimizar os efeitos da vitimização secundária, garantindo que a mulher não seja objetificada como instrumento probatório.

A subnotificação dos crimes de violência sexual é reflexo de um sistema de justiça que, ao apurar crimes de violência sexual, revitimiza a mulher e permite a prática de outros atos de violência institucional de gênero. É essencial impedir em qualquer hipótese o ataque à honra e à dignidade de pessoa que já está em uma situação extremamente vulnerável. 

Cabe recordar que o Estado brasileiro já foi responsabilizado internacionalmente em razão da violência estrutural de gênero em instituições públicas, como no caso Alyne Pimentel, julgado pelo Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher**. A violência de gênero assume uma de suas formas mais graves nos crimes contra a dignidade sexual e, como tal, merece a devida apuração, responsabilização e reparação dos danos, não podendo se converter, em hipótese alguma, em um instrumento de escrutínio da vida privada e da honra da vítima.

O GT está comprometido com defesa dos direitos das mulheres e a promoção de uma sociedade mais igualitária.

* Dado trazido pela 14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com base nos registros das Secretarias de Segurança Pública em 2019.
** ONU/CEDAW/C/49/D/17/2008.

Grupo de Trabalho Mulheres
Defensoria Pública da União