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DPU recomenda que associação evite dificultar realização de ritual indígena Enawenê-Nawê

Juína – Na terça-feira (20), a Defensoria Pública da União (DPU) recomendou que a Associação dos Proprietários Rurais do Rio Preto (APRRP), em Juína, no Mato Grosso (MT), evite dificultar a prática do ritual do povo Enawenê-Nawê, chamado Yaõkwa. A atuação extrajudicial aconteceu após os indígenas serem cobrados de apresentar licenças ambientais para execução da manifestação cultural. Em ofício enviado à DPU, as lideranças indígenas pedem atuação do órgão para diminuir as dificuldades de diálogo e acordos com a APRRP.

“É central essa recomendação para que o povo Enawenê-Nawê não sofra mais um dano espiritual, porque infelizmente percebemos uma verdadeira violação de direitos humanos. O ritual é a identidade do povo”, disse o defensor regional de direitos humanos no Mato Grosso, Renan Sotto Mayor, que atua no caso.

“Dentro da ontologia Enawenê-Nawê, eles poderiam vir a ser punidos pelos espíritos e isso causaria uma desordem muito grande na aldeia. Ao não assumirmos que isso pode acontecer, nada mais é do que uma demonstração de domínio da sociedade que vivemos sobre os povos indígenas, que tem o direito de não se submeter à mesma ideia de espiritualidade que nós”, complementou o defensor público federal Raphael Santoro, integrante do Grupo de Trabalho Comunidades Indígenas da DPU, que também assina a recomendação.

Foto: Raphael Santoro

A defesa da prática do ritual

Com base no artigo 231 da Constituição Federal, a DPU justifica que é reconhecido aos indígenas o direito à proteção de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e que o ritual dos indígenas é parte da existência física e cultural do povo. A recomendação explica que “a construção da barragem é, a rigor, etapa do ritual que não pode ser suprimida” e que, por isso, “a atividade de pesca e de construção da barragem é elemento primordial para a execução do ritual em questão, bem como, é base da segurança alimentar e continuidade dos ritos tradicionais da comunidade indígena Enawenê-Nawê”.

A execução de rituais espirituais pelos povos originários independe de autorização estatal. Ao acompanhar o caso, a DPU recomendou, com um prazo de retorno em 15 dias, que, de forma amigável, a associação:

Se abstenha de exigir dos Enawenê-Nawê autorização estatal para realização do ritual Yaõkwa, dentre os quais se inclui a construção de barragem para pesca no rio Preto;

Se abstenha de embaraçar a construção da barragem em questão. Caso entenda haver alguma irregularidade, deverá procurar os meios lícitos para resolução da controvérsia.

O povo Enawenê-Nawê e o ritual Yaõkwa

Os Enawenê-Nawê, povo de recente contato, são habitantes da Terra Indígena (TI) do noroeste do estado do Mato Grosso, próxima aos municípios de Brasnorte, Juína, Comodoro e Sapezal. O território está localizado em uma área de transição entre o cerrado e a floresta amazônica, habitada por 1.023 indígenas Enawenê-Nawê, de acordo com censo de 2022 do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE).

O Yaõkwa é amplamente divulgado como patrimônio cultural do Brasil e registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no Livro das Celebrações. Um dos principais rituais do povo, o Yaõkwa dura cerca de sete meses e se inicia quando os espíritos Yakariti cobram as lideranças espirituais para a execução do Yaõkwa. Como parte do ritual, todo ano os indígenas constroem barragens nos igarapés, para capturar peixes que subiram para desovar nas cabeceiras e estão voltando da piracema. No final da pesca, as barragens são destruídas, para permitir que os peixes possam voltar a subir para a desova. Todo processo de captura envolve modelos próprios de arquitetura tradicional e conhecimentos indígenas.

Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União