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Dia Nacional da Saúde: reduzir desigualdades no acesso à água e proteção de povos originários

Brasília – Neste 5 de agosto, o Brasil comemora o Dia Nacional da Saúde. A data foi instituída em 1967 para comemorar o nascimento do médico e sanitarista Oswaldo Gonçalves Cruz, um dos mais famosos pesquisadores e defensores da saúde do brasileiro, responsável pelo combate e erradicação das epidemias de febre amarela, peste bubônica e varíola no país, e fundador do Instituto Soroterápico Federal, que hoje carrega o seu nome: Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O Dia Nacional da Saúde não tem como objetivo unicamente reconhecer os feitos de Oswaldo Cruz, mas igualmente relembrar que a saúde não se baseia unicamente na ausência de doenças, mas também no acesso a serviços públicos de qualidade, ao lazer, a uma alimentação saudável, a água de qualidade tratada, ao descanso e à prática de atividades físicas. Oswaldo Cruz demonstrou durante toda a sua vida a importância de observar o ambiente para proteger a saúde da população, com a prevenção de doenças e a vacinação como as principais marcas de seu trabalho.

Boa parte da saúde do brasileiro passa pelo acesso a água potável em quantidade necessária para seu consumo e higiene. O saneamento básico é composto por quatro pilares: o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o manejo de resíduos sólidos e o manejo das águas pluviais urbanas, formando um ciclo: a água deve chegar limpa na casa das pessoas, ser coletado o esgoto pelo sistema, tratado e posteriormente devolvido à natureza. O manejo do lixo aqui é importante pois o chorume é um dos principais contaminadores de rios e mananciais, e o destino correto evita a proliferação de doenças.

Apesar das grandes reservas de água doce no Brasil, o acesso a água de qualidade ainda é um problema para cerca de 33 milhões de pessoas. Segundo o Instituto Trata Brasil, o saneamento básico ainda é extremamente deficitário especialmente na região Norte, e não se traduz apenas em regiões de difícil acesso: na capital de Rondônia, Porto Velho, apenas 42% da população tem acesso a água potável. Considerada uma das piores cidades em saneamento básico do Brasil, menos de 2% do esgoto captado na cidade é tratado.

“Onde estão localizadas essas pessoas? Essa é uma pergunta muito importante, porque a ausência de saneamento não está distribuída homogeneamente na população brasileira. Existem levantamentos que revelam uma enorme desigualdade no acesso da população aos serviços de saneamento”, afirma Leo Heller, doutor em epidemiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador da Fiocruz.

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente 37% da população brasileira não tem acesso a rede de esgoto, em grande parte moradores das regiões Norte e Nordeste. “Se pensarmos na distribuição por cor da pele, fica muito nítido que pessoas brancas tem um acesso muito maior. Se pensarmos em nível de renda, é muito acentuada a diferença entre quem é rico contra quem é pobre. São várias as dimensões da exclusão sanitária sobre o saneamento”, comentou o pesquisador, que aponta que o saneamento rural é uma área totalmente negligenciada no país.

“O saneamento básico e a qualidade da água entram numa estrutura mínima para que a pessoa possa viver com dignidade. Eles integram direitos básicos da população como decorrência do direito à saúde, à moradia digna e estão ligados diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana”, pontua a defensora pública federal Carolina Godoy Leite, coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde da Defensoria Pública da União (DPU). A DPU atua de maneira coletiva em diversos casos que envolvem o saneamento básico, especialmente em regiões com atendimento a populações vulnerabilizadas, como indígenas e quilombolas.

“Nos quatro componentes de saneamento, indígenas e quilombolas têm um acesso muito inadequado, muitíssimo baixo, então os desafios estão justamente em garantir políticas públicas que olhem com prioridade para essas populações que têm sido historicamente excluídas”, comentou Leo Heller, que aponta que uma política de saneamento inclusiva deveria priorizar estes grupos, com modelos de gestão nas áreas rurais, especialmente por se tratar de grupos com baixa capacidade de pagamento, no contexto da alta da privatização nos serviços de saneamento pelo país.

O trabalho da DPU e das defensorias estaduais na garantia do acesso a água de qualidade é essencial. “Tanto a DPU quanto as defensorias estaduais têm por missão constitucional fazer a defesa dos direitos humanos da população vulnerável. Nós atuamos junto ao poder público para buscar melhorias, fazer com que aquele direito seja resguardado, que aquelas famílias tenham ali suas dignidades preservadas”, comentou a defensora. No caso da DPU, a atuação nesta área se centraliza no trabalho de proteção aos direitos humanos, realizado pelos defensores regionais de direitos humanos.

Danos à saúde

Diversas causas de doenças estão ligadas ao tratamento de água inadequado, como nos casos de diarreia infantil, que é considerado um indicador comum da falta de qualidade da água. O saneamento precário, porém, é responsável também por diversas doenças respiratórias, como a covid-19, e doenças como a dengue, chicungunha e febre amarela, dado que a proliferação de mosquitos tem ligação com o abastecimento inadequado de água, entre diversas outras.

“Existem inclusive algumas estimativas globais, com um estudo recentemente publicado que fala que quando se implementam ou melhoram as condições de água, de esgotos, de higiene, lavagem de mãos, pode se esperar uma redução da ocorrência dessas doenças, que eu resumiria como em torno de 50%, sobretudo a diarreia”, frisou Leo Heller.

O Ministério da Saúde estima uma economia na ordem de 100 milhões de reais por ano com a implementação adequada de medidas de tratamento de água e saneamento básico. Para o pesquisador, este é um número bastante conservador, pois leva em conta sobretudo internações, deixando de lado atendimentos ambulatórias, medicamentos, atendimento domiciliar e atendimentos especiais de saúde.

O baixo tratamento de esgoto também é causa importante de doenças. Sem o tratamento de esgoto e a coleta adequada de resíduos sólidos, há a contaminação dos cursos d’água com diversas consequências danosas a saúde e ao meio ambiente. “Nós estamos falando em organismos patogênicos circulando livremente pelo ambiente, sem contenção. Isso pode impactar às águas, a produção de alimentos e leva proliferação de vetores, como moscas, baratas e mosquitos”, comentou Leo Heller.

Saúde indígena

Na Retomada Jopara, situada no município de Coronel Sapucaia, Mato Grosso do Sul, região vizinha a Terra Indígena Taquaperi, no dia 23 de janeiro um bebê de sete meses apresentou sintomas de febre e vômito. Ele recebeu alta do hospital e faleceu quatro dias depois. A provável causa do óbito: a pulverização de agrotóxicos por via terrestre, que causou danos à saúde de diversas pessoas da comunidade, que apresentaram vômitos, diarreia, dores de cabeça e no corpo. A situação não é incomum, mas um contexto rotineiro que leva a contaminação das áreas de retomada dos indígenas Guarani Kaiowá.

Em agosto de 2023, foi instituído pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) o Gabinete de Crise Guarani Kaiowá, que busca promover ações concretas contra a violação de direitos humanos que ocorrem na região sul do estado, em mais de 20 municípios. Dentre as ações discutidas, o acesso a água e ao saneamento básico são um ponto crítico, dada a alta contaminação de agrotóxicos que afetam o solo e os cursos de água subterrâneos, além das dificuldades de acesso a água de qualidade na região.

Um relatório técnico preliminar, realizado em maio deste ano, aponta a precariedade no saneamento básico nesses territórios. Nas 51 áreas de retomada levantadas, em somente 13 delas há acesso a água encanada, com 19 tendo acesso a poços artesianos ou semiartesianos. Há dificuldades, porém, com as avarias de equipamentos e a insuficiência na captação de água para toda a população. No caso das outras áreas de retomada, são utilizados poços artesanais ou a coleta em córregos, minas, rios ou valetas, distantes dos locais de moradia.

“É uma população de mais de 50 mil pessoas e há uma histórica e antiga falta de prestação desse serviço nesses espaços. Além de tudo, há uma dificuldade do poder público local, tanto estadual quanto municipal, de entender que os territórios tradicionalmente ocupados pelos indígenas devem ter prestados os serviços públicos essenciais”, afirmou a defensora pública federal Daniele de Souza Osório, defensora regional de direitos humanos no Mato Grosso do Sul e coordenadora do Grupo de Trabalho Povos Indígenas (GTPI), da DPU.

Os dados são ainda mais dramáticos quando se fala em coleta de resíduos sólidos e tratamento de esgoto. Apenas cinco áreas de retomada possuem coleta de lixo e uma única possui tratamento de esgoto. Os resíduos sólidos são queimados ou enterrados na maioria das áreas, levando a contaminação do solo e a problemas de saúde, com graves violações de direitos. Todos esses resultados mostram grande risco de contaminação das águas.

O Ministério Público Federal (MPF) já moveu diversas ações civis públicas que contemplam algumas das áreas de retomada. A DPU atua nessas ações como custos vulnerabilis, defendendo os interesses dos indígenas. O Gabinete de Crise é uma maneira de resolver esses problemas de forma administrativa, buscando soluções rápidas. Em relação à água, o governo federal anunciou recentemente o repasse de recursos para o governo estadual para resolver pelo menos uma parte dos problemas de fornecimento e as obras devem se iniciar nos próximos meses. A DPU vai acompanhar a prestação dos serviços.

“Um problema é a gestão dos serviços, que precisa contar com a participação das populações porque, caso contrário, os investimentos públicos se deterioram, deixam de prestar o serviço que prestam, então tem toda uma especificidade em saneamento para essas populações, que precisará ser levada em conta de maneira muito séria”, afirmou Leo Heller

Esta é também uma grande preocupação da DPU, que tem articulado com as lideranças indígenas junto ao gabinete de crise buscando apresentar de maneira bastante detalhada todas as demandas das retomadas indígenas. Com relação a água e o envio de recursos para construção de poços artesianos e linhas de abastecimento, a DPU buscou orientar os povos indígenas para fiscalizar não só a execução das obras, mas também o anúncio e cumprimento dos projetos.

“A situação de saneamento desses grupos é muito precária. Existem alguns levantamentos internos mostrando ainda muito o que fazer, e existem questões mais estruturais, que precisam ser mais bem trabalhadas, uma delas é a visão cultural desses povos, a cosmovisão, que tem implicações diretas no tipo de solução técnica adotada”, afirma o pesquisador Leo Heller, que atualmente coordena dois trabalhos de pesquisa sobre saneamento indígena e contribui para o Programa Nacional de Saneamento Indígena (PNSI).

A Fiocruz também contribui diretamente com os trabalhos realizados pela Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde, buscando soluções que levem em conta o diálogo com os povos indígenas, suas especificidades e modos de vida, e sobretudo a construção da participação popular dos próprios povos indígenas afetados na gestão dos projetos de saneamento, para alcançar a atuação efetiva do poder público. Atualmente o projeto de pesquisa está traçando linhas do tempo nas ações de saneamento indígena, numa coletânea do que já foi publicado sobre o tema e as avaliações dessas ações. O objetivo é encontrar caminhos para levar maior qualidade de vida aos povos originários.

*Esta matéria foi produzida conforme os seguintes objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da Agenda2030:
3- Saúde e bem-estar
6- Água potável e saneamento
11- Cidades e comunidades sustentáveis
16- Paz, Justiça e instituições eficazes
17- Parcerias e meios de implementação

DCC/GGS
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União