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Centro de Lançamento de Alcântara (MA) não seguiu legislação ambiental, diz defensor

Yuri Costa falou durante julgamento da Corte IDH sobre crimes contra quilombolas

Santiago – Durante julgamento da denúncia contra o Brasil por sistemáticas violações contra os quilombolas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos nesta quinta-feira (27), o defensor público federal Yuri Costa destacou que a instalação e operação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) ocorreram sem a observação da legislação ambiental.

“As comunidades e famílias foram removidas compulsoriamente; não foram realizados estudos de impacto social, ambiental ou cultural, visando compreender as particularidades da estrutura agrária e da identidade étnica das comunidades, além do fato do Centro de Lançamento não possuir licença ambiental regularmente emitida”, disse o defensor público federal.

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Costa ressaltou que a situação motivou a abertura de processo judicial de natureza ambiental, em 1999, a partir de Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Federal, ainda em tramitação. Apesar disso, até o momento, nenhum estudo de impacto ambiental culturalmente adequado sobre a instalação e operação do Centro de Lançamento foi feito.

“Por outro lado, os quilombolas de Alcântara passaram a conviver com a criminalização de seus modos de vida – aqui, infelizmente, bem exemplificado pela “reintegração” violenta e militarizada, ocorrida no Quilombo de Vista Alegre, no dia 29 do último mês, e já devidamente comunicada a esta Corte”, complementou durante a fala.

Moradores do Quilombo Vista Alegre, em Alcântara, foram vítimas de uma violenta tentativa de despejo, em 29 de março. Militares da Força Aérea Brasileira (FAB) lotados no CLA e agentes da Polícia Federal (PF) invadiram uma parte do território, ferindo várias pessoas, inclusive crianças, mulheres e idosos. Foram usadas balas de borracha e gás lacrimogêneo para atacar a comunidade durante a ação.

“Diante de todo esse quadro, resta evidente que o escopo de o Centro de Lançamento ocupar todo o litoral do município permanece atual e guiando a relação Estado-comunidades, mesmo após a redemocratização ocorrida em 1988 e o território de Alcântara ter sido formalmente reconhecido como quilombola”, afirmou Costa.

Ele ainda destacou que a ameaça de remoção das demais comunidades quilombolas demonstrou-se permanente e constitui método operado ininterruptamente há mais de 40 anos, que tem causado danos psicossociais a suas famílias. “Essas famílias estão impedidas de possuírem projetos de vida – direito esse já amplamente reconhecido por esta Corte –, pois tiveram seus futuros subtraídos”, disse.

Em sua fala, o defensor afirmou que para, além da obrigação de realização da consulta, em se tratando de um grande projeto que tem o potencial de afetar os modos de vida ou de subsistência de várias comunidades tradicionais, o Estado só poderá efetivamente concretizar a expansão do Centro de Lançamento se obtiver o consentimento das comunidades quilombolas de Alcântara, em consonância com decisão de 2007 desta Corte em relação ao Caso Saramaka vs. Suriname.

A fala de representante da DPU foi parte da sustentação realizada pelas entidades que apresentaram a denúncia sobre os crimes contra os quilombolas em 2001. Além da DPU, a ação contou com representantes de comunidades quilombolas, do Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara (MABE), da Justiça Global, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão (FETAEMA) e do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR).

Entenda o caso

O projeto do Centro de Lançamento de Alcântara começou a ser elaborado ainda na década de 1970 pela Força Aérea Brasileira. Durante sua construção, já na década de 1980, foram desapropriadas de suas terras 312 famílias de 32 povoados que compõem o território étnico de Alcântara. Essas comunidades foram reassentadas em sete agrovilas e enfrentam até hoje os impactos nos sistemas alimentares e de renda.

Já os grupos que permaneceram em seus territórios tradicionais estão desde então sob constante tensão e ameaças de novas expulsões para expansão da base aérea pelo litoral, com projetos planejados e/ou executados pelo Estado nos últimos anos, repetidamente alheios à população local. A situação gera uma enorme insegurança sobre o futuro das várias comunidades.

Entre as violações mais recentes, destaca-se a ação arbitrária no território em 2008, o que levou as lideranças de Alcântara a denunciarem o Estado à Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, por descumprimento da Convenção 169 no Projeto Alcântara Cyclone Space – Acordo de Cooperação Tecnológica Brasil – Ucrânia. As empresas contratadas invadiram e depredaram roças das comunidades de Mamuna e Baracatatiua na tentativa de implantar outros três sítios de lançamento de aluguel.

Em 2019, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado pelo governo de Jair Bolsonaro com os Estados Unidos, com finalidades comerciais, ignorou até mesmo a recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos feita na segunda audiência sobre o caso de realizar estudo e consulta prévias aos quilombolas.

No ano seguinte, em meio à pandemia de covid-19, o Governo Bolsonaro determinou novas remoções para tal projeto – que afetariam ao menos 800 famílias, principalmente das comunidades de Mamuna e Canelatiua. O despejo, no entanto, foi suspenso pela justiça e, após o Senado dos EUA vetar o uso de dinheiro do país para a remoção das comunidades quilombolas, o Brasil revogou a resolução.

Pedidos das peticionárias

A denúncia foi considerada admissível pela CIDH em 2006. No relatório de mérito emitido em 2020, após duas audiências (em 2008 e em 2019), a Comissão recomendou que fosse feita a titulação do território, a consulta prévia em relação ao acordo firmado junto aos Estados Unidos, a reparação financeira dos removidos compulsoriamente e um pedido de desculpas público. Nada disso foi cumprido até agora. Diante da gravidade dos fatos, em janeiro de 2022, a Comissão Interamericana levou o caso à Corte.

O pedido de titulação das terras está em aberto antes mesmo da denúncia e o processo está pronto para assinatura do Executivo Federal desde 2008, sem, no entanto, qualquer sinalização de encaminhamento, o que compromete ainda mais a garantia das formas tradicionais de organização e vida. As comunidades foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares em 2004 e identificadas e delimitadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em 2008.

O defensor público federal Yuri Costa considera um marco a sessão de julgamento da Corte Interamericana dedicada ao caso dos Quilombos de Alcântara (MA). “Pela primeira vez, o sistema internacional de direitos humanos irá julgar o Estado brasileiro pela violação a direitos de comunidades quilombolas. Nesse sentido, Alcântara é bastante representativa da luta histórica da população negra no Brasil. São mais de quatro décadas resistindo a um projeto de Estado que envolve ações e omissões dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e abarca atos das esferas federal, estadual e municipal”, conclui.

Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União