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Ação busca liberar indenizações a quilombolas de Alcântara após 40 anos
Alcântara – A Defensoria Pública da União (DPU) ingressou com uma ação civil pública contra a União, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Caixa Econômica Federal (CEF) para garantir que membros de comunidades quilombolas e pequenos agricultores tenham acesso a indenizações por desapropriações realizadas nos anos 1980 para a instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). O objetivo da ação é assegurar a liberação dos valores depositados como compensação para os atingidos após quatro décadas de espera.
Os valores, depositados pelo CLA em contas da Caixa como compensação pelas terras desapropriadas, nunca foram disponibilizados aos beneficiários. A ação exige a liberação imediata dos recursos, com correção monetária e juros, além da criação de canais que facilitem o processo de saque.
A DPU argumenta que a União e o Incra têm resistido à liberação sob a alegação de falta de processos administrativos formais, mas destaca que a ausência de documentação não pode se sobrepor ao direito reconhecido das comunidades.
Histórico do caso
Na década de 1980, a implantação do CLA resultou na desapropriação, inicialmente, de 52 mil hectares de terras ocupadas por quilombolas. Em 1991, um decreto presidencial ampliou a área desapropriada para 62 mil hectares, contrariando o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Na época, foram ajuizadas ações de desapropriação contra aquelas pessoas que possuíam título de propriedade na área, bem como contra uma parte dos pequenos posseiros que estavam na região. No entanto, uma parcela significativa de pessoas, que também detinham posses e benfeitorias legítimas, foi excluída dos processos de desapropriação.
Para indenizar esse grupo, a União adotou procedimentos informais, limitando-se a coletar dados pessoais, definir os valores a serem pagos e realizar os depósitos em contas vinculadas ao CNPJ do CLA, sem a abertura de processos administrativos ou judiciais.
Argumentos
A Defensoria sustenta que a inexistência de processos formais não pode ser usada como justificativa para negar a liberação dos valores. A DPU destaca que o próprio CLA reconheceu a destinação dos valores, e que as contas foram abertas na Caixa exclusivamente para esse fim. Além disso, registros oficiais comprovam a relação entre os valores depositados e os beneficiários.
A Defensoria também ressalta que muitas famílias vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Segundo a ação, os beneficiários dessas indenizações são, em sua maioria, pessoas humildes que já viviam, e muitas ainda vivem, em situação de pobreza, agravada pelas desapropriações promovidas pelo estado do Maranhão e pela União, sem que jamais tenham sido compensadas financeiramente pelos prejuízos sofridos.
A DPU argumenta ainda que os erros burocráticos do poder público não podem prejudicar as comunidades já impactadas pela perda de suas terras. Segundo a instituição, o direito à indenização dessas pessoas já foi reconhecido pela União, estando pendente apenas o saque. Assim, erros de procedimento cometidos pela Administração, sem qualquer responsabilidade dos beneficiários, não podem ser usados como justificativa para negar a liberação dos valores.
“A União e o Incra sabem que foi reconhecido o direito à indenização dessas famílias e estão cientes dos créditos efetivados para esse fim. Assim, negar, pelo só fato de inexistir processo administrativo ou judicial, a liberação desses valores àqueles que comprovadamente figurem como titulares ou herdeiros vai de encontro com a boa-fé subjetiva, além de constituir flagrante violação ao dever objetivo de lealdade e probidade”, afirmam os defensores públicos federais Gioliano Damasceno e Yuri Costa, responsáveis pela ação.
Pedidos
Na ação, a DPU solicita que a União, o Incra e a Caixa liberem imediatamente os valores depositados para o pagamento das indenizações aos beneficiários e seus herdeiros. Também pede que a União e o Incra disponibilizem um canal de atendimento remoto (plataforma online ou e-mail) e uma unidade física para facilitar a solicitação do saque.
Além disso, a DPU requer que a União e o Incra promovam ampla divulgação, por meio das redes sociais e outros canais, sobre os meios disponíveis para a formalização dos pedidos, bem como os procedimentos e a documentação necessária para a retirada dos valores.
A Defensoria também solicita a aplicação de uma multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento e o pagamento de juros e correção monetária sobre os valores retidos. Leia a ACP aqui.
Violação de direitos
Localizado na região metropolitana de São Luís, o município de Alcântara abriga cerca de 18 mil habitantes e possui a maior população quilombola do Brasil, com mais de 80% dos moradores vivendo em 200 comunidades espalhadas pelo território.
Nesta quinta-feira (13), a Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu que o Estado brasileiro violou os direitos das comunidades quilombolas de Alcântara e determinou que o governo reconheça oficialmente 78 mil hectares como território quilombola. Além disso, o Brasil foi condenado a indenizar os afetados e a criar um canal de diálogo permanente com as comunidades atingidas.
O caso envolve a remoção de 312 famílias de 32 comunidades, deslocadas compulsoriamente para agrovilas, onde perderam parte de suas tradições e enfrentaram adversidades como a ausência de saneamento básico, dificuldades no acesso à educação, saúde e transporte.
A denúncia foi levada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2001 por representantes das comunidades quilombolas, com apoio de organizações da sociedade civil, como Justiça Global, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara, além da Defensoria Pública da União.
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União