Notícias
Acordo cria assentamento no Ceará em área onde Zé Maria de Tomé foi assassinado

Fortaleza – Após 15 anos, o grave conflito fundiário que atinge famílias acampadas no perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi, na Chapada do Apodi, no interior do Ceará, chegou a uma solução. Nesta terça-feira (28), foi assinado, no Palácio da Abolição, sede do governo do estado, o acordo que estabelece a permanência dos trabalhadores na área conhecida como acampamento Zé Maria de Tomé. Os trabalhadores ocuparam o local em 2010 para reivindicar o direito à terra e contaram, desde o início, com o apoio da Defensoria Pública da União (DPU) na garantia do acesso à Justiça.
A medida foi discutida no âmbito da Comissão de Soluções Fundiárias da Justiça Federal no Ceará, após indicação da DPU. O acordo, que prevê o assentamento de aproximadamente 100 famílias, reuniu contribuições de instituições, órgãos públicos e movimentos sociais envolvidos no caso. O projeto é o primeiro assentamento em perímetro irrigado do Brasil.
“A gente recebeu o caso como uma situação perdida do ponto de vista convencional, com trânsito em julgado, para cumprimento de uma reintegração de posse. Com a atuação da Defensoria e a mobilização social, conseguimos postergar o cumprimento da decisão e indicamos o caso à Comissão de Conflitos Fundiários”, explica a defensora pública federal Lídia Nóbrega, que atuou no processo.
O defensor regional de direitos humanos da DPU no Ceará, Edilson Santana, relembrou a longa atuação no caso, com diligências, reuniões e peticionamentos. “Este é um trabalho emblemático em relação ao funcionamento da Defensoria Pública da União, na missão de garantir o acesso à Justiça às populações mais vulneráveis. O caso chega como uma questão meramente fundiária, mas existiam outros direitos fundamentais que deveriam, e foram, observados”, aponta.
O desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) Leonardo Resende Martins, da Comissão de Soluções Fundiárias, destacou que o caso reforça a importância de que grandes projetos públicos, como o perímetro irrigado Apodi-Jaguaribe, contemplem todos os interesses em jogo, “em especial das pessoas em maior vulnerabilidade”. “Excluí-las dos benefícios a serem partilhados resultará sempre em injustiças que, mais ou menos tarde, eclodirão e comprometerão as expectativas de ganhos.”
Histórico
As famílias ocuparam a área em 2010 após o descumprimento do termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado naquele ano, em ação civil pública (ACP), entre o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e o Ministério Público Federal (MPF). O TAC previa a destinação de mil hectares de terra para moradia e plantio de agricultores familiares de baixa renda.
Desde então, os trabalhadores viveram mais de uma década sob ameaça de expulsão de suas terras por uma ação de reintegração de posse movida em 2014 pelo Dnocs e pela Federação das Associações do Perímetro Irrigado Jaguaribe Apodi (Fapija). Outra ação, movida por um particular, também pedia a remoção das famílias da área.
Em abril de 2010, a liderança Zé Maria do Tomé, que dá nome ao acampamento, foi assassinado em Limoeiro do Norte, no interior do estado. Ele era ameaçado por denunciar o uso indiscriminado de agrotóxicos; o descumprimento da Lei Municipal nº 1.278/2009, que proibia a pulverização aérea de agrotóxicos no município; as grilagens de terras no perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi; e a expulsão de pequenos agricultores do perímetro.
“Ninguém vai sentir o que a gente sentiu, as alegrias que passamos e nem as nossas dores. Nós sabemos muito bem o tamanho da nossa conquista. Não podemos esquecer das várias criminalizações e perseguições ao nosso movimento e às nossas famílias. Tantas noites que não sabíamos como ia ser o amanhã com a reintegração de posse batendo na nossa porta todos os anos. (…) Vamos chegar em casa, vamos dormir tranquilos e vamos celebrar a nossa conquista. Nossa resposta sempre será a luta”, disse Renato Crisóstomo, assentado e integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).
O acordo
O documento, assinado nesta terça-feira (28), prevê, entre outros pontos, a destinação da área de mil hectares para a criação do Projeto de Assentamento Irrigado Jaguaribe-Apodi. A maior parte do território será doada pelo Dnocs à União para que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) destine a área para fins de reforma agrária. A outra parte, de pouco mais de 100 hectares, será adquirida pelo Governo do Estado do Ceará, por meio do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace).
“O governo do estado tomou a decisão também de favorecer o acordo com o investimento feito, além de subsídio para energia, a questão da água. Eu tenho a convicção de que estamos dando um passo muito importante para que possamos garantir a paz do nosso estado”, declarou o governador Elmano de Freitas.
Pelo acordo, os ocupantes da área se comprometem a, no prazo máximo de 60 dias, deixarem as áreas que estão fora do perímetro dos mil hectares delimitados na planta cartográfica. Após concluída a seleção de famílias, também está previsto que o Incra se comprometa a conceder uma operação de crédito de fomento pelos beneficiários, desde que atendidos os requisitos legais aplicáveis.
Será constituído ainda um Comitê de Monitoramento do presente acordo, no prazo de até 60 dias da assinatura, para acompanhamento da execução das cláusulas, do qual podem participar todas as partes que assinam o documento. A coordenação conjunta do comitê será feita pelo Incra e pelo Idace.
Flavio José Roman, advogado-geral da União substituto e secretário-geral de Consultoria da Advocacia-Geral da União (AGU), aponta que este processo de conciliação é exemplo para outros casos de conflitos fundiários. “Ele beneficia todo o Ceará e o país porque mostra que soluções conciliatórias são possíveis e é possível transformar conflito em área produtiva.”
Leia também:
DPU propõe acordo para resolver o caso do acampamento Zé Maria Tomé (CE)
DPU apresentará proposta de conciliação sobre caso do acampamento Zé Maria Tomé (CE)
Reunião discute a situação de famílias do Acampamento Zé Maria Tomé, no Ceará
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União