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Mudanças na gestão de hospitais federais no RJ são debatidas na Câmara Municipal

Foto: Mariana Finelli / ASCOM DPU
Rio de Janeiro – A reestruturação da rede federal de hospitais do Rio de Janeiro e os novos modelos de gestão propostos pelo Ministério da Saúde foram discutidos em audiência pública realizada nesta quinta-feira (4), na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. O evento atendeu a pedido feito pela Defensoria Pública da União (DPU) e acolhido pela Comissão Permanente de Higiene, Saúde Pública e Bem-Estar Social da Câmara.
“Essa audiência pública teve uma importância ímpar no sentido de abrir a participação social e o debate desse tema tão relevante para a população carioca e não somente a carioca”, aponta Taísa Bittencourt, defensora titular do 2° Ofício Regional de Direitos Humanos da DPU no Rio de Janeiro. “Os hospitais federais do Rio de Janeiro prestam serviços para a população de todo o país que faz tratamento fora de domicílio (TFD) e vem ao Rio de Janeiro receber tratamentos de alta complexidade, extremamente especializados”, completa.
Na audiência, Bittencourt apresentou um resumo da situação dos seis hospitais que integram a rede federal e dos problemas que foram levados ao conhecimento da DPU, seja por meio de denúncias de profissionais da saúde e seus sindicatos, de documentos oficiais e de vistorias nas unidades de saúde.
No Hospital Geral de Bonsucesso, por exemplo, o processo de reestruturação e descentralização começou em outubro de 2024, quando passou a fazer parte do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), empresa pública de gestão hospitalar do Rio Grande do Sul vinculada ao Ministério da Saúde. De acordo com a defensora, desde então, profissionais da saúde procuram a DPU com denúncias de vícios em editais de contratação e uso de aparelhos obsoletos, além de falta de profissionais especialistas.
Em 18 junho de 2025, a DPU esteve em vistoria no hospital, junto do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), e encontrou acúmulo de material de biópsia em condições precárias de acondicionamento. “O acúmulo de material a ser submetido a biópsia revelava não haver patologistas em número suficiente no setor de anatomia patológica. Consultada a direção, esta informou que, apesar da realização de processo seletivo e até oferecimento de vagas para contratação de médicos por PJ [pessoa jurídica], não houve aderência de médicos patologistas”, informou a defensora na audiência pública.
A proposta de reestruturação
Ao mesmo tempo em que são reconhecidos pelos tratamentos de média e alta complexidade e especialização, os hospitais federais do Rio de Janeiro lidam há anos com problemas como falta de medicamentos e insumos, ausência de concursos públicos, contratações irregulares e sucateamento. Mas o caminho que vem sendo seguido pelo Ministério da Saúde para contornar a situação tem gerado resistência e muitos questionamentos entre o corpo clínico dos hospitais, especialistas de diferentes áreas e os usuários do sistema de saúde, como revelaram as falas desta quinta-feira.
Presidindo a audiência pública, o vice-presidente da comissão, vereador Rogério Amorim (PL), deu relato da sua experiência como médico e atual chefe da neurocirurgia do Hospital Universitário Gaffré e Guinle, também vinculado à rede federal por ser o hospital da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Amorim enfatizou a importância desses hospitais na formação de novos profissionais e demonstrou preocupação com os impactos das mudanças de gestão também sobre esse aspecto. “As dificuldades dos hospitais federais todos nós conhecemos. A dúvida que fica é: será que essas mudanças de fato vão melhorar a situação?”, questionou o vice-presidente da Comissão de Higiene, Saúde Pública e Bem-Estar Social da Câmara.
Um dos problemas de longa data é a falta de profissionais. Sem o preenchimento dos postos, os atendimentos ficam comprometidos, levando muitas vezes ao fechamento de leitos e setores inteiros. A procuradora da República Marina Filgueira foi enfática ao apresentar a posição do Ministério Público Federal (MPF) sobre o assunto: as contratações temporárias constituem uma situação irregular.
De acordo com a procuradora, a posição do judiciário é de que eles não podem determinar a realização de concurso público. A última ação do MPF foi levada ao Supremo, que confirmou posição que já vinha sendo adotada pela Justiça Federal do Rio de Janeiro em outras ações civis públicas. “No entanto, essa não é a posição do MPF – e é por isso que ingressamos com as ações. Entendemos que, de acordo com as nossas leis, o judiciário pode, sim, interferir; não dizendo o que deve ser feito, mas determinando a regularização de uma situação como, no caso dos hospitais, são as contratações temporárias”.
Filgueira levantou ainda uma preocupação compartilhada por muitos dos presentes à audiência pública: a possível alteração do perfil de assistência de hospitais no processo de reestruturação proposta pelo Ministério da Saúde. Segundo a procuradora, o MPF enviou recomendação ao Ministério da Saúde para que reduções ou mudanças no perfil assistencial dos hospitais sejam discutidas no local competente: as Comissões Intergestores Bipartite (CIB).
Preocupação com mudanças no perfil assistencial do Hospital Federal da Lagoa
Entre as mudanças que fazem parte da reestruturação tocada pelo Ministério da Saúde está a integração de hospitais e institutos da rede federal. É o caso do Hospital Federal da Lagoa e do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). A integração entre as duas instituições, feita por meio de acordo de cooperação técnica (ACT) em março deste ano, preocupa os profissionais de saúde, especialistas e a população que depende do atendimento oferecido pelos hospitais. O receio é de que os problemas estruturais não sejam resolvidos e, ao mesmo tempo, o que esses hospitais ainda têm a oferecer à população, que é o atendimento de média e alta complexidade, seja ainda mais precarizado e reduzido em sua oferta e especialidades.
De acordo com o diretor do corpo clínico do Hospital Federal da Lagoa, Felipe Gomes, a construção do acordo ocorreu sem a participação dos profissionais do hospital, que não tiveram acesso ao texto previamente. “Estamos diante de uma tentativa de mudança do perfil assistencial do Hospital Federal da Lagoa”, afirmou Gomes. O diretor questionou como fica a situação dos pacientes que usam os serviços do hospital e aponta ainda outro risco: o de fragmentar a assistência. “Transformar o Hospital Federal da Lagoa em unidade exclusivamente materno-infantil não seria mera mudança de gestão; é, na prática, a extinção de um hospital estratégico”, pontuou.
Transferências de gestão para o município
Dentro do projeto de descentralização que vem sendo implementado pelo Ministério da Saúde, dois hospitais federais tiveram a gestão repassada ao município do Rio de Janeiro: Hospital Federal do Andaraí, na zona norte da capital, e o Hospital Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, na zona oeste.
A defensora pública estadual e subcoordenadora de saúde da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Renata Pinheiro, falou sobre a situação desses hospitais na audiência pública e apontou problemas encontrados em vistorias realizadas este ano, após a mudança de gestão. Superlotação, falta de especialistas, dependência de contratos temporários e alta taxa de mortalidade foram alguns dos problemas apresentados.
“Como Defensoria do Estado, acompanhamos mais a situação dos hospitais que foram municipalizados, como o Hospital do Andaraí e o Cardoso Fontes, mas a situação nos demais hospitais federais também nos preocupa, afinal o SUS é um sistema solidário, que envolve município, estado e União”, declarou Pinheiro.
Regulação de Vagas
Analisando o projeto sob o ponto de vista do sistema de regulação de vagas, a superintendente de Regulação da Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) no Rio de Janeiro, Kit Crawford, trouxe suas contribuições para a audiência pública. Para Crawford, a preocupação está, sobretudo, no impacto que essas medidas podem ter sobre a população das zonas metropolitanas que precisam dos serviços especializados.
A superintendente também abordou a mudança no perfil dos hospitais da rede: “Me preocupa quando vejo que o hospital Cardoso Fontes tem recebido grande número de transferências de pediatria clínica. É esse o perfil que eu espero do Cardoso Fontes?”, questionou.
A posição do Ministério da Saúde
A diretora do Departamento de Gestão Hospitalar do Ministério da Saúde, Tereza Navarro Vannucci, representou o Ministério da Saúde. Vanucci é médica, servidora do Hospital Federal do Andaraí e defendeu que esta é uma das tentativas mais eficazes de reestruturar a rede federal de hospitais. Segundo ela, as preocupações em relação à situação dos profissionais da saúde e à estrutura dos hospitais é compartilhada pelo Ministério e que a prioridade sempre será a população. “Nenhum paciente deixará de ser atendido”, garantiu.
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União