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Pessoas ostomizadas enfrentam preconceito e contam com a DPU para garantia de direitos
Brasília – Riscos de infecção, desabastecimento de insumos médicos e alto custo de equipamentos são alguns dos desafios enfrentados por pessoas ostomizadas no Brasil. A ostomia é um procedimento cirúrgico que cria uma comunicação artificial entre um órgão interno do corpo e o meio externo. Um dos maiores entraves enfrentados por essas pessoas ainda é o preconceito e a desinformação. Por isso, o mês de novembro é dedicado à Conscientização da Ostomia, e a Defensoria Pública da União (DPU) apoia a iniciativa.
As pessoas ostomizadas são legalmente reconhecidas como pessoas com deficiência física, conforme os decretos federais nº 3.298/1999 e 5.296/2004. Segundo dados do Ministério da Saúde (2018), são mais de 400 mil pessoas nesta condição no Brasil. Entre os tipos mais comuns de ostomia estão: intestinal (saída de conteúdo fecal); urinária (drenagem da urina); respiratória (traqueostomia); e para alimentação.
Além de aspectos relacionados à condição de saúde, as pessoas ostomizadas lidam com vulnerabilidades sanitárias, econômicas, administrativas e sociais. Do ponto de vista sanitário, há risco de infecções e complicações por uso de materiais inadequados e comprometimento da higiene e saúde. Entre os aspectos econômicos e administrativos, podemos citar o alto custo dos equipamentos adequados, dependência do fornecimento pelo SUS, processos licitatórios inadequados e burocratização excessiva para acesso aos insumos.
Socialmente, pessoas ostomizadas enfrentam, por exemplo, dificuldades de inserção e manutenção no mercado de trabalho, além de constrangimentos em atividades cotidianas. Entre as situações vivenciadas, estão obstáculos para acesso a atendimentos preferenciais; falta de permissão para utilizar o transporte público sem contato com a catraca registradora; e coação no ingresso a agências bancárias ou supermercados, tendo em vista que o volume da bolsa, localizado sob a roupa, faz com que essas pessoas sejam abordadas como suspeitas.
“[Pessoas ostomizadas] são invisíveis aos olhos da sociedade, principalmente por se tratar de uma deficiência oculta, com exceção das ostomias respiratórias e de alimentação. Com esta falta de conhecimento, inclusive por parte de gestores e operadores do Direito, os direitos fundamentais são violados e, como consequência, barreiras são levantadas e a exclusão social nos impede de exercer o direito à cidadania”, aponta Ana Paula Batista, diretora-presidente da Associação Nacional Movimento Ostomizados do Brasil (MOBR).
Atuação da DPU
A experiência da Defensoria Pública da União na defesa dos direitos das pessoas ostomizadas revela a complexidade e a dimensão dos desafios enfrentados por esta população. Em 2017, o Grupo de Trabalho (GT) Saúde da DPU identificou uma grave violação aos direitos das pessoas ostomizadas no estado de Pernambuco, onde houve a descontinuidade do fornecimento de bolsas coletoras. Com isso, pacientes recorreram a meios improvisados e perigosos, como sacolas plásticas.
A situação levou à emissão da Recomendação 01/2018 direcionada à Secretaria de Saúde de Pernambuco. A atuação coletiva resultou em orientações específicas, como: implementação de medidas preventivas contra o desabastecimento; consideração das necessidades individuais nas licitações, evitando o critério exclusivo de menor preço; e estabelecimento de processos de consulta aos usuários.
Também houve atuação na área cível com a defesa individual dos direitos das pessoas ostomizadas. Um dos casos emblemáticos foi registrado em Vitória da Conquista, na Bahia, onde a DPU trabalhou para garantir o fornecimento de cadeira de rodas adaptada com almofada específica para pessoa ostomizada. O caso mostrou a necessidade de equipamentos adaptados; a complexidade do atendimento integral à saúde; a importância da adequação postural para prevenção de lesões; e a interface entre diferentes aspectos da deficiência física.
“A atuação defende tese importante: a necessidade de considerar as especificidades das pessoas ostomizadas na dispensação de equipamentos médicos em geral, não se limitando apenas aos insumos diretamente relacionados à ostomia, por envolverem circunstâncias associadas”, destaca documento do Grupo de Trabalho Atendimento à Pessoa Idosa e à Pessoa com Deficiência (GTPID).
No campo previdenciário e assistencial, a DPU também tem atuado para garantia do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas ostomizadas em situação de vulnerabilidade. Um caso representativo ocorreu em Campinas, no interior paulista, em 2022. Uma pessoa com uso contínuo de bolsa coletora de fezes e urina, sem perspectiva de reversão, estava impossibilitada de exercer atividade laboral e em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A Defensoria destaca que a ostomia pode ser fator determinante na análise da incapacidade para fins de benefícios assistenciais.
“Nada sobre nós, sem nós” – confira relato de Ana Paula Batista, da Associação Nacional Movimento Ostomizados do Brasil (MOBR), e sua luta por direitos:
“Sou mulher portadora de um câncer raro e maligno há 17 anos e com ostomia há 15 anos. Filha única, nascida em Salvador, Bahia. No início, o maior desafio que enfrentei foi a falta de informação. Receber a notícia do diagnóstico do câncer não foi fácil, mas ficar uma pessoa com ostomia, naquele momento, foi o fim do mundo para mim.
Não me sentia mais mulher, não socializava, achava que todos sentiam mau cheiro em mim e estava muito abalada psicologicamente. Não comia para que a bolsa não funcionasse. Estava brigando com o mundo. De fato, não estava preparada para enfrentar uma sociedade cheia de preconceitos.
Levei cerca de dois anos para aceitar minha nova condição. E isso só foi possível, primeiro, porque tive apoio familiar; segundo, pelo acesso a dispositivos coletores aos quais me adaptei; e, por último, pelo acompanhamento com psiquiatra e psicólogo. É, de fato, um processo doloroso e excludente, apesar de reconhecer e ser grata pela ostomia ter salvado minha vida.
Depois de dois anos difíceis, fui retornando ao cotidiano, inclusive à minha postura de liderança, marca da minha trajetória de vida. Ao vivenciar e passar a ter conhecimento das dificuldades para acesso à saúde, acessibilidade e inclusão, resolvi que tinha que retribuir a oportunidade que Deus me deu e passei a me dedicar à defesa e à garantia dos direitos das pessoas com ostomia.
Para isso, me mudei para o Distrito Federal em 2013 e iniciei a luta para assegurar meu lugar de fala, afinal não bastava ser mulher e nordestina, eu era também uma pessoa com deficiência e enfrentava barreiras de escuta. Persistente, fui eleita diretora-presidente da Associação dos Ostomizados do Distrito Federal (AOSDF), em seguida fui eleita para integrar o Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, além de exercer a presidência do Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Distrito Federal.
Apesar das conquistas, essas posições não estavam sendo suficiente para garantir a representatividade e legitimidade nacional do segmento. Desta forma, idealizei e fundamos a Associação Nacional Movimento Ostomizados do Brasil (MOBR), da qual estou diretora-presidente. Em paralelo, fui eleita coordenadora-geral do Fórum Brasileiro de Conselhos Estaduais e do Distrito Federal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Forbrace). Com estes espaços e nos fazendo presentes, vamos sensibilizando e dialogando para avanços em política pública efetiva para as pessoas com ostomia no Brasil. Não aceitamos mais nenhum direito à menos! Pessoas Ostomizadas Importam!”
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União