Operação contra o trabalho escravo aufere R$1,5 milhão em indenizações
Salvador – A Defensoria Pública da União (DPU) e a Superintendência Regional do Trabalho de São Paulo, por meio do Grupo de Operação de Combate ao Trabalho Escravo, firmaram um termo de acordo de compromisso de ajustamento de conduta com uma transportadora, que presta serviço a duas multinacionais no Brasil, visando reparação para 49 migrantes venezuelanos e um haitiano, 23 deles resgatados em março em situação de trabalho análoga à escravidão. A maioria dos resgatados exercia a função de motoristas de carretas, com jornadas exaustivas de trabalho e sem descanso mínimo previsto em lei. Por conta de uma cláusula do acordo, os nomes das empresas serão mantidos em sigilo.
Integrante da força-tarefa, a defensora federal Izabela Luz explicou que os assistidos entraram ilegalmente no país e chegaram a cidade de Pacaraima (RR). Lá, os migrantes passaram pela Acolhida, operação capitaneada pelas Forças Armadas nos estados de Roraima e do Amazonas, com participação de órgãos públicos e entidades civis, para prestar serviços de acolhimento, saúde, documentação, orientação, entre outros, a migrantes e pessoas refugiadas no Brasil, principalmente oriundas da Venezuela. No norte do país, os trabalhadores foram recrutados por dois funcionários das empresas envolvidas e levados para São Paulo com a promessa de trabalho com carga horária de até 44 horas semanais, moradia para solteiros desacompanhados e a possibilidade de levar as famílias para as cidades onde trabalhariam.
Segundo a defensora e os quatro auditores fiscais do trabalho, a proposta de trabalho foi enganosa, pois a jornada foi muito superior, uma vez que os motoristas dirigiam por mais de 12 horas por dia. Os trabalhadores recebiam parte da remuneração em sistema paralelo. As horas extras e descansos legais não foram corretamente remunerados, mas sim substituídos por bônus a critério do empregador.
Luz explicou que, para poder enviar mais dinheiro aos parentes, os trabalhadores acabavam dispensando os descansos semanais, com anuência da transportadora, que “comprava” as folgas. Eles também não gozaram férias. Além de confirmar a reiterada supressão parcial ou total dos intervalos interjornadas, a força-tarefa constatou a condição degradante do local destinado ao descanso dos motoristas. A moradia prometida não foi cumprida e 15 dos 23 resgatados passaram todo o período de trabalho, ou seja, mais de um ano, dormindo nas cabines ou boleias dos caminhões.
No curso da operação, constatou-se ainda que os 23 motoristas foram arregimentados de forma ilícita e que a transportadora não providenciou a Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores (CDTT). A empresa também efetuou descontos não pactuados no momento da contratação em Roraima, como gastos com treinamento, alojamento e nacionalização da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
O acordo foi firmado entre as empresas, a defensora federal e auditores fiscais. Pelo termo, serão pagas parcelas indenizatórias aos 23 resgatados recentemente pela operação e a outros 27 trabalhadores – 26 venezuelanos e um haitiano – os quais, na ocasião do desligamento, ocorrido entre janeiro de 2020 e março de 2021, também deixaram de receber parte de verbas trabalhistas.
A quarta cláusula do acordo prevê que as empresas envolvidas providenciem o retorno à cidade de origem daqueles trabalhadores recrutados fora da localidade de execução do trabalho, caso manifestem o desejo de voltar, ou auxiliem a vinda da família do trabalhador ao seu encontro, se o assistido decidir continuar residindo em São Paulo. Além disso, ficou acertado que as empresas devem fornecer ajuda de custo, providenciando alojamento aos trabalhadores que não tiverem residência fixa e cestas básicas até que sejam efetivadas as rescisões trabalhistas.
E.E.G.I, 40 anos, natural de Caracas, Venezuela, foi um dos beneficiados pela operação. O assistido relatou que passou oito meses nas ruas de Boa Vista catando lixo e procurando emprego, até que um tenente do Exército o levou para um abrigo. Pouco depois, teria sido recrutado pela empresa e enviado para São Paulo. Por conta da necessidade de enviar dinheiro à família, submeteu-se a jornadas intensas de trabalho.
A DPU ajudou a legalizar a documentação da esposa e das quatro filhas do assistido. A família está há três meses em Roraima e deve desembarcar no Aeroporto de Viracopos, Campinas, na noite do dia 11 de junho para reencontrá-lo, depois de um ano e meio sem contato. A expectativa do assistido é grande, pois, quando ultrapassou a fronteira em busca de novas oportunidades, deixou a esposa ainda grávida. “Vim trabalhar e tem uma menina que eu não conheço. Estou com desejo de conhecer ela e ficar com minha família. ”, afirmou.
Na profissão há quase 18 anos, o assistido ainda não conseguiu um novo emprego como motorista, mas pensa em permanecer com a família em Jacareí, interior de São Paulo. Ele destacou o trabalho feito pelas instituições na operação. “As leis brasileiras são fortes. Em meu país é diferente. Lá todo mundo faz o que quer. Aqui as leis são cumpridas. Eu não acreditava que isso iria acontecer, o pagamento, tudo isso, mas tudo deu certo”, destacou.
Lotada na DPU Salvador, Izabela Luz já participou de outras operações de combate ao trabalho escravo pelo país, mas considera esta histórica. “Na DPU nunca tivemos um resgaste dessa alçada em relação ao montante de indenizações. Muito orgulho de participar dessa operação”, concluiu.
Foto: Divulgação – Ministério da Economia
RGOD
Assessoria de Comunicação
Defensoria Pública da União