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Alcântara (MA): moradores da cidade mais quilombola do país avançam para a titulação coletiva do território
Publicação: 10/12/2024
Alcântara – De 28 a 30 de novembro, a Defensoria Pública da União (DPU) esteve no município de Alcântara, no Maranhão, para atender demandas coletivas e individuais relacionadas à direitos assistenciais, previdenciários, migratórios e fundiários, essas últimas para garantia da futura titulação da terra aos moradores da cidade mais quilombola do Brasil. Em setembro, as comunidades da região fecharam um acordo com o governo federal para o reconhecimento do território quilombola. Há 12 anos, a Defensoria atua na região.
Além dos atendimentos relacionados à situação fundiária da população alcantarense, os principais serviços oferecidos pela DPU durante o mutirão foram relacionados a aposentadorias, Benefício de Prestação Continuada para Idoso ou Pessoa com Deficiência (BPC-LOAS), salário maternidade, pensão por morte, benefício por incapacidade temporária e permanente e informações sobre solicitações, descontos e cortes de benefícios. Participaram do mutirão os defensores públicos federais Carolina Botelho, Euler Rodrigues, Gioliano Antunes e Yuri Costa.
A iniciativa é uma parceria com o projeto Viva Alcântara, que reuniu cerca de 50 instituições para a promoção de diversos serviços de acesso à justiça, cidadania, saúde, educação e cultura. O mutirão itinerante ocorreu na Praça Matriz de Alcântara, onde a DPU realizou, no total, cerca de 280 atendimentos. A DPU também participou de audiências para homologação de acordos indenizatórios aos moradores removidos de suas casas para a construção do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).
“Atuamos sobretudo para a futura titulação coletiva quilombola, nesse momento saneando centenas de ações judiciais que estão há quase 40 anos entulhando o poder judiciário sem ter nenhuma resolução, justamente por conta do impasse se esse território seria destinado para a expansão do Centro de Lançamento de Alcântara ou se seria para a titulação coletiva do quilombo”, destacou o defensor público federal e coordenador da ação itinerante, Yuri Costa.
Segurança para a não desapropriação das terras
Para Costa, a Defensoria foi essencial para firmar o acordo a União, que deu fim ao conflito histórico, permitindo a futura titulação integral do território quilombola de Alcântara, com uma área de 78.105 hectares. O CLA usará aproximadamente 9.000 hectares para realização de suas atividades. O reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades da região e a indenização das famílias representa uma reparação histórica tardia por parte do estado.
“A gente conseguiu avançar na segurança jurídica dessas pessoas. São famílias que há duas ou três gerações vêm sendo cotidianamente ameaçadas de retirada de suas terras. Algumas das ações que conseguimos avançar no mutirão já resolveram definitivamente, com o imediato pagamento das pessoas que originalmente moravam nessas terras, permitindo que essas áreas sejam futuramente incorporadas ao território coletivo”, completou Yuri Costa.
A quilombola Maria Luzia Silva Diniz, de 80 anos, lembra os anos de luta ao lado da Defensoria para a demarcação e titulação do território de Alcântara. Em 2023, ela discursou na audiência realizada na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que avalia as sistemáticas violações contra os quilombolas, praticadas em torno da construção do CLA na década de 1980, antes da redemocratização do país.
“A Defensoria foi essencial na nossa luta pela titulação desse território. Foi até as comunidades, ouviu, conversou conosco para saber o que pensávamos. A gente nem dormia achando que a Aeronáutica ia chegar na nossa porta nos mandando sair das casas. Hoje essas comunidades podem ficar tranquilas e a Aeronáutica só vai ocupar onde já está ocupando agora. A terra é nossa cultura, dela a gente tira nosso sustento”, ressaltou Diniz, emocionada.
Entenda o caso
O projeto do Centro de Lançamento de Alcântara começou a ser elaborado ainda na década de 1970 pela Força Aérea Brasileira. Durante sua construção, já na década de 1980, foram desapropriadas de suas terras 312 famílias de 32 povoados que compõem o território étnico de Alcântara. Essas comunidades foram reassentadas em sete agrovilas e enfrentam até hoje os impactos nos sistemas alimentares e de renda.
Já os grupos que permaneceram em seus territórios tradicionais estão desde então sob constante tensão e ameaças de novas expulsões para expansão da base aérea pelo litoral, com projetos planejados e/ou executados pelo Estado nos últimos anos, repetidamente alheios à população local. A situação gera uma enorme insegurança sobre o futuro das várias comunidades.
Entre as violações mais recentes pelas quais o Brasil foi condenado, destaca-se a ação arbitrária no território em 2008, o que levou as lideranças de Alcântara a denunciarem o Estado à Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, por descumprimento da Convenção 169 no Projeto Alcântara Cyclone Space – Acordo de Cooperação Tecnológica Brasil – Ucrânia. As empresas contratadas invadiram e depredaram roças das comunidades de Mamuna e Baracatatiua na tentativa de implantar outros três sítios de lançamento de aluguel.
Em 2019, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas firmado pelo governo de Jair Bolsonaro com os Estados Unidos, com finalidades comerciais, ignorou até mesmo a recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos feita na segunda audiência sobre o caso de realizar estudo e consulta prévias aos quilombolas.
No ano seguinte, em meio à pandemia de covid-19, o governo determinou novas remoções para tal projeto – que afetariam ao menos 800 famílias, principalmente das comunidades de Mamuna e Canelatiua. O despejo, no entanto, foi suspenso pela Justiça e, após o Senado dos EUA vetar o uso de dinheiro do país para a remoção das comunidades quilombolas, o Brasil revogou a resolução.
Firmado em setembro deste ano, o acordo entre o governo federal e as comunidades quilombolas de Alcântara estabelece que, em vez de uma possível expansão do Centro de Lançamento, fica consolidada a área do Centro e, ao mesmo tempo, reconhecidas as terras quilombolas para que sejam iniciados os procedimentos para a titulação da área.
Com o acordo, fica inquestionável que o Centro de Lançamento, daqui por diante, está restrito à área que já ocupa, enquanto o território originalmente delineado pelo relatório do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), referente à área quilombola de 78 mil hectares, seja respeitado.
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União