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Raiz estrutural da exclusão feminina negra vem dos primórdios do voto, diz defensora

Brasília – “Mulheres negras e mulheres indígenas precisam também estar representadas. Precisam votar e ser votadas”. É essa constatação – em parte óbvia, em parte ainda utópica- que embasa os argumentos da defensora pública federal Charlene Borges ao comentar os 91 anos do voto feminino, comemorado neste 24 de fevereiro.

A defensora integra o Grupo de Trabalho Mulheres (GT Mulheres), da Defensoria Pública da União (DPU), que acompanha a pauta feminina de perto. O GT elabora cartilhas, promove eventos sobre a participação na política e incentiva as mulheres a ocupar lugares de poder.

“A raiz estrutural da exclusão das mulheres, principalmente das pretas e indígenas, vem desde os primórdios, quando se discutiu o direito ao voto. A luta sufragista nasceu atrelada à luta antiescravagista”, discorre Charlene. “As mulheres aliaram-se à causa antiabolicionista para defender os direitos civis. Só que em determinado momento, apenas as mulheres brancas conseguiram avançar”, disse.

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No Brasil, o direito ao voto surgiu tardiamente e de maneira restrita: só podiam votar mulheres alfabetizadas que tinham a autorização do marido. “Isso inviabiliza que mulheres negras pudessem exercer esse direito porque elas já sofriam com o déficit de alfabetização. Não era a realidade. Não foi oportunizado acesso às mulheres negras. Então, desde o começo dos direitos de voto a desigualdade já se instaurou. E toda a nossa estrutura de classe e patriarcal se consolida de um modo em que mulheres negras integrem a base da pirâmide e as funções domésticas, de cuidar, de subserviência”, observa a defensora.

Falta elas no poder

Há pouca representatividade nos espaços de decisão. Nas eleições de 2022, por exemplo, apesar de representarem 52,65% do público que vota, o que equivale a cerca de 82,4 milhões de brasileiras, foram eleitas apenas 302 mulheres, contra 1.394 homens para a Câmara dos Deputados, Senado Federal, Assembleias Legislativas e governos estaduais.

Dessas 302 mulheres, 39 são pretas, cinco indígenas, 71 pardas e 184 brancas, de acordo com a autodeclaração de cada uma. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

“Somos mais da metade da população, mas quando falamos de representatividade as mulheres ainda são minoria na ocupação de postos. E isso se repercute também nas instituições públicas, nos cargos públicos, nas oportunidades de alcançar cargos de poder e decisão dentro das instituições. Isso envolve uma série de questões estruturais”, diz a defensora.

Ainda há luta

De acordo com Charlene, existe toda uma estrutura, desenhada ao longo do tempo, que fez com que a desigualdade fosse normalizada. Assim, mulheres negras têm menos acesso à educação, à universidade e a empregos dignos. “Todas essas dificuldades estruturais fazem com que elas acabem não votando em negras porque é muito difícil haver esse tipo de representação”, afirmou.

Para a defensora pública federal, medidas recentes como as cotas e a criação do fundo partidário minoram a desigualdade ao estabelecer um percentual quantitativo e financeiro que estimula candidaturas negras. Mas não é suficiente.

“Ainda enfrentamos determinados problemas. Por exemplo, a simples autodeclaração de ser negro faz com que muitas vezes pessoas que não são negras dizerem que são para fazer uso do fundo partidário. Aconteceu nessa última eleição. E existe uma dificuldade de fazer uma comprovação fenotípica”, disse. “Mas acho que a existência desse fundo partidário é um começo para reverter esse problema de representatividade”, completou.

O exemplo que vem de casa

Quando o assunto é voto, Charlene lembra da mãe. Hoje aposentada, Alaíde foi dona de casa e sempre fez questão de votar. “E eu sempre a acompanhei ao colégio para ver ela votar. Na época, eram cédulas e depois passou a se exercer o voto eletrônico”, contou.

“O voto é muito importante como exercício de cidadania. É a oportunidade que nós temos de fazer escolhas, de interferir no futuro, no processo democrático, de manifestar a nossa indignação em relação a problemas, ao status quo que eventualmente podemos estar insatisfeitos. O voto é a nossa forma de expressão dentro do sistema democrático”, resumiu.

Por fim, Charlene reforçou que a consciência política é a chave para mudar o mundo. “As mulheres precisam votar em mulheres. É preciso pressionar as instituições para que mudem os sistemas de micropoder e macropoder. Espero que no próximo sufrágio, em 2026, possamos ter mais mulheres negras e indígenas representando nossa população que é tão diversa”, concluiu.

Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União