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Nosso Sagrado: DPU visita o acervo junto com lideranças religiosas, pesquisadores e MDHC

Rio de Janeiro – Mais de 500 objetos de religiões de matriz africana, apreendidos entre 1889 e 1946 pela polícia fluminense, estão sob a guarda do Museu da República, na capital do Rio de Janeiro, em uma gestão compartilhada com lideranças religiosas. Na última sexta-feira (8), a Defensoria Pública da União (DPU), pesquisadores e representantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) se reuniram com essas lideranças para compreender um pouco mais sobre as histórias das peças e construir, em conjunto, possíveis medidas de reparação aos danos causados à população negra. As peças são provenientes principalmente de terreiros de Umbanda e Candomblé. 

Por meio do seu Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais (GTPE), a DPU firmou, no início deste ano, um acordo de cooperação técnica com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania; com o Museu da República e com o comitê gestor formado pelas lideranças de terreiro para fazer a análise dos inquéritos que documentam a apreensão das peças sagradas.

A defensora pública federal Natalia Von Rondow, coordenadora do GTPE, explicou que a partir desse acordo, a DPU estendeu a parceria a pesquisadores de Direito e de História que trabalham com essa temática para unir esforços e analisar os processos. “Essa foi a primeira visita com a presença das lideranças religiosas que compõem o comitê gestor Nosso Sagrado. Nós apresentamos o acordo de cooperação técnica, ouvimos as expectativas, experiências e colhemos informações e dados. Também fizemos uma visita ao acervo junto com as lideranças”, explicou.

O diretor do Museu da República, Mário Chagas, afirma que essa coleção tem contribuído para um conjunto de transformações importantíssimas no Museu. “Por ser o Museu da República, temos compromissos com direitos humanos e cidadania há muito tempo, mas a chegada dessas peças radicalizou muitas posições, incluindo o combate ao racismo religioso. Ela impõe esse debate e é um excelente exemplo da necessidade de combater o preconceito justamente por esse acervo resgatado ser o resultado dele”, observou.

Respeito e memória

Em contramão ao estado laico, o racismo religioso ainda ocorre diariamente. É isso o que ponderou tata Luazemi, uma das lideranças que estiveram na reunião. Ele contou que os terreiros são atacados e que fiéis sofrem intimidação. Para o religioso, o empenho da DPU, do Ministério Público Federal, das autoridades e do povo de santo são essenciais para o fim desse mal.

“A violência está aí todo dia. Está maquiada, escondida em segredo, mas continua. Os Terreiros ainda são atacados, mas o mais importante é a luta. Se lutarmos, uma hora a gente vence”, disse. “A importância de respeitar a religião do outro é a mesma de que a sua seja respeitada. É só olhar para dentro de si”, refletiu.

Para mãe Nilce de Iansã, a apreensão dos materiais pela polícia foi mais um dos vários atos desrespeitos ao povo de religiosidade de matriz africana que ocorrem há séculos no Brasil. “Eu digo que esse racismo religioso vem da falta de conhecimento do que se faz dentro dos terreiros. As nossas ações não são conhecidas nem respeitadas. Mas nosso povo abre as portas para ações sociais, distribuições de cestas básicas, cursos e palestras”, disse. “Disso ninguém fala”, completou.

Ela lembrou que quando os casos de Aids começaram a serem registrados no Brasil, várias pessoas procuravam os terreiros em busca de acolhimento e que essa prática de escuta e encaminhamento continua sendo feita até hoje com os mais diferentes problemas sociais.

“O terreiro é um espaço que promove saúde. A pessoa quando tem uma demanda, seja ligada à saúde ou à justiça, vem até nós”, disse. “Eu lembro quando começou o foco da Aids, era um desespero no terreiro. Muitos jovens nos procurando porque iriam morrer. Outro exemplo são as mulheres que apanham de seus maridos. Muitas vezes elas não vão às delegacias, elas vão aos terreiros. Sempre fomos acolhedores. Entram, sentam, bebem uma água, comem e depois nós orientamos as pessoas a procurarem os órgãos responsáveis “, contou. “Mas o racismo religioso não só nos adoece como nos mata. Temos várias lideranças que morreram assim. Mas nós não vamos deixar que nos abatam, precisamos de respeito”, concluiu.

Também participaram da reunião os defensores públicos federais Thales Arcoverde Treiger, defensor regional de direitos humanos no Rio de Janeiro (DRDH/RJ) e Benoni Moreira, integrante do GT Comunidades Tradicionais; a coordenadora geral da Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas, Fernanda Thomazas; além de pesquisadores e museólogos. Entre as lideranças de terreiro presentes estiveram mãe Nilce de Iansã; tata Luazemi; tata Songhle; tata Undelê; ogan Marcos; mãe Márcia de Oxum; pai Mauro Nunes D’Oxossi; pai Carlinhos de Oxalá; mãe Marcinha de Oxum; yawo Marco Antonio Teobaldo e pai Thiago Azeredo.

GT Políticas Etnorraciais

A DPU tem promovido diversas ações voltadas ao enfrentamento do racismo religioso e à garantia dos direitos dos povos de terreiro. Através do Grupo de Trabalho, são promovidos seminários, encontros, pesquisas e parcerias com os movimentos sociais, além da busca constante por ampliar políticas públicas que monitorem os casos de racismo. São dois eixos de trabalho principais: um que promove os direitos da população negra e dos povos de terreiro e outro que enfrenta as diversas formas de racismo, dentre as quais o religioso.

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Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Púbica da União