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DPU, Catrapovos Brasil e MPF lançam Mesa Permanente de Diálogo Catrapovos Brasil na Bahia
Salvador – A Defensoria Pública da União (DPU), por meio do Grupo de Trabalho de Garantia à Segurança Alimentar e Nutricional (GTGSAN), em parceria com a Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil e o Ministério Público Federal (MPF), lançou, no dia 14 de junho, o projeto Mesa Permanente de Diálogo Catrapovos Brasil na Bahia. O evento ocorreu em formato híbrido na sede Instituto Anísio Teixeira e pela plataforma Zoom.
O projeto tem o objetivo de promover ações e medidas voltadas a viabilizar a compra, pelo poder público, de itens para a alimentação escolar produzidos diretamente pelos povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais.
O encontro contou com a participação de representantes de povos indígenas, de comunidades tradicionais, de organizações da sociedade civil, bem como do Governo Estadual da Bahia, da Defensoria Pública do Estado da Bahia, do MPF, do Observatório Popular da Cultura Alimentar da População Negra e dos Povos e Comunidades Tradicionais e da World Wide Fund for Nature (WWF).
Mesa de debates
Após a abertura, teve início uma mesa de debates sobre a importância do acesso aos mercados pelos povos e comunidades tradicionais, em especial o mercado institucional da alimentação escolar, conforme determina a Lei Federal nº 11.947/2009.
O procurador da República, Fernando Merloto Soave, fez uma contextualização sobre o projeto da Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa). “Em 2020, o projeto ganhou o prêmio Innovare, proporcionando mais visibilidade e, em 2021, a 6 ª Câmara do MPF criou a Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil, uma mesa nacional. Um dos objetivos dela é multiplicar essas experiências no Brasil inteiro”.
O procurador ressaltou que a iniciativa não deve se restringir apenas à alimentação escolar. “Nós estamos falando muito de PENAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), mas não é só isso. Eu tenho conversado muito com a SESAI (Secretaria de Saúde Indígena), que também tem que comprar nesse modelo para os seus polos básicos, para as suas CASAIS (Casas de Apoio à Saúde Indígena). Não deveria comprar quentinhas, mas deveria comprar dos próprios parentes (povos indígenas) e distribuir”, disse.
Ainda, Soave falou da Nota Técnica nº 03/2020/6ªCCR/MPF, que analisa os serviços de inspeção sanitária incidentes sobre a venda e o consumo de alimentos produzidos pelos povos e comunidades tradicionais na perspectiva legal, sob a ótica do MPF. Ele pontuou que o elemento novo, a partir da nota, é a possibilidade da compra de proteínas, processados e vegetais.
“O restante, o produto in natura, sempre pôde e sempre vai poder ser comercializado. Esse novo entendimento [que a nota técnica viabilizou, favorecendo a possibilidade de venda desses outros produtos] surgiu a partir do peixe, da galinha, da farinha, da polpa. Essa é que a novidade, e é uma imensa novidade, porque, na realidade, o que mais gera renda é isso”, concluiu.
Marina Rocha, defensora pública federal e coordenadora do Grupo de Trabalho para a Garantia à Segurança Alimentar e Nutricional (GTGSAN) da DPU, falou da atuação do órgão em relação ao tema.
“A DPU já estava, desde o ano passado, fazendo treinamento e entrando mais nessas questões do PNAE, de forma que a gente pudesse fazer a fiscalização desses 30% – de acordo com a Lei nº 11.947/2009, 30% do valor repassado pelo PNAE deve ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiar. A ideia no plano de ação é escolher uma comunidade, um território indígena, em que a gente possa ir para entender como está funcionando, dar o assessoramento jurídico e ver onde está o problema para que possam ter acesso à política pública”, declarou Rocha.
A realidade das comunidades
Num segundo momento, o evento abriu para apresentação dos participantes e relatos de experiências e situações vivenciadas.
Antônia*, liderança Tupinambá de Belmonte, denunciou a situação de extrema vulnerabilidade ocasionada por um conflito gerado pelo agronegócio na região e de graves violações sofridas ao longo desse processo. “Em 2018 nós vivemos uma situação tão crítica que precisamos pedir alimento para sobreviver. Naquele momento, não tínhamos expectativa de viver, mas sim de sobreviver. O bloqueio econômico que os Tupinambá de Belmonte sofreram. Nós éramos e ainda nos consideramos independentes, autossustentáveis. Naquele momento, um conflito que envolve o agronegócio tirou de nós os alimentos. Não contentes, numa tentativa de criminalização, por pouco, não fui presa. Pior que isso foi ver as famílias perderem toda a produção. Perdemos 70 toneladas de mandioca, nosso cacau e farinha. Nós perdemos tudo que produzimos naquele ano. Ainda vivemos hoje o que vivemos lá. A consequência ainda está presente na comunidade”.
Outra liderança Tupinambá de Belmonte denunciou a situação da escola da comunidade. “Na nossa (escola) nem alimentação praticamente vai. Vai fruta, verdura, mas, quando chega, já não tem como utilizar. O uso, muitas vezes, vai para as galinhas. Na nossa comunidade, não chega. Eu fui professora lá durante quatro anos. Não tem nutricionista, não tem alimentação, nada disso”, disse.
Tatiana Scalco, da Frente Nacional contra a fome e a sede, do Observatório Popular da Cultura Alimentar da População Negra e dos Povos e Comunidades Tradicionais destacou a importância de ações para favorecer a cultura alimentar dos povos tradicionais. “A gente entende que o PNAE é uma ação estruturante, mas ele faz parte de um sistema, que é o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A gente tem que construir, cada vez mais, programas estruturantes, como assistência técnica e extensão rural agroecológica. Tem que ter a discussão do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). Tem uma série de questões que vão da dimensão técnica/nutricional, mas também da dimensão do que é o manejo do povo tradicional. Usar o poder de compra do Estado para potencializar ações estruturantes como essa e ampliar a sustentabilidade dos povos e comunidades tradicionais é fundamental, concluiu.
Entenda o Projeto
A Mesa Permanente de Diálogo Catrapovos Brasil é composta por representantes de órgãos públicos e da sociedade civil e visa a discutir os entraves, desafios e formas de viabilizar as compras públicas da produção de comunidades indígenas e tradicionais. Além disso, também tem por objetivo garantir o cumprimento da lei que prevê a aquisição de, no mínimo, 30% de produtos alimentícios da agricultura familiar, além do direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais à alimentação escolar adequada aos seus processos próprios de produção e a sua cultura.
O grupo atua para replicar em todo o país a boa prática desenvolvida pela Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa). Com os diálogos iniciados em 2016, a Comissão resulta da articulação entre instituições dos governos federal, estadual e municipal, movimentos e lideranças indígenas, de comunidades tradicionais e organizações da sociedade civil.
*Nome fictício para preservar a identidade da liderança.
ABR/GGS
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União