DPU – Direitos Humanos

Notícias

28 de janeiro: Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo

Brasília – Em pleno século 21, milhares de brasileiros(as) são mantidos em situação análoga à escravidão no país ou estão vulneráveis a serem aliciados para tal condição em razão da pobreza, vulnerabilidade social e insegurança econômica. A Lei nº 12.064, de 29 de outubro de 2009, instituiu o dia 28 de janeiro como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo com o objetivo de chamar a atenção para este problema e mobilizar a sociedade pela sua erradicação. 

A data foi escolhida para homenagear os auditores-fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, além do motorista Ailton Pereira de Oliveira, assassinados em 28 de janeiro de 2004, durante inspeção que apurava denúncias de trabalho escravo em fazendas no município de Unaí (MG).

O trabalho escravo contemporâneo está associado à situação em que haja uso da violência contra o(a) trabalhador(a) e/ou a eliminação do seu direito de liberdade, inclusive de se locomover. Qualquer situação de trabalho que afete a dignidade humana, seja por condições humilhantes e inseguras ou pela criação de dependência, como o endividamento, é considerada um trabalho em condições análogas à escravidão. Além de ser um problema trabalhista, é também uma questão penal na qual o(a) empregador(a) e os responsáveis podem ser punidos com pena de prisão.

Os(as) trabalhadores(as) nessa situação são forçados a trabalhar, seja por vigilância ostensiva ou outra forma de constrangimento e geralmente ficam submetidos pelo(a) empregador(a) à situação de endividamento (por comida, alojamento ou transporte), que não conseguem saldar. Muitas vezes, têm documentos e objetos pessoais retidos para impedir sua saída e trabalham em condições degradantes, sem proteção à saúde ou à vida e sem respeito a seus limites físicos, sendo submetidos a jornadas exaustiva, sem período de descanso e além do tempo permitido pela legislação.

A Defensoria Pública da União (DPU) tem como missão a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs. No contexto do combate ao trabalho escravo contemporâneo, além de participar de vários comitês sobre o tema no país, a Instituição atua em ações de fiscalização e operações de resgate. Nessas situações, o(a) defensor(a) busca assegurar os pagamentos das verbas trabalhistas e das indenizações por danos morais devidas pelo(a) empregador(a), prestando assistência jurídica integral e gratuita às vítimas resgatadas.

“Desde 2010, defensoras e defensores públicos federais têm participado das ações de fiscalização. A participação da DPU teve início na cidade de São Paulo e se consolidou a partir de 2015, quando a instituição passou a integrar as ações do grupo especial de fiscalização móvel (GEFM), que é coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e foi criado no ano de 1995”, explica a defensora pública federal Elisangela Machado Cortês, secretária de acesso à Justiça da DPU.

Cortês também ressalta que “a Defensoria tem as atribuições de: recebimento de denúncias e posterior encaminhamento à Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE/MTE); participação no planejamento das ações de fiscalização; assistência jurídica aos trabalhadores; assistência em questões relacionadas à falta de documentação e à regularização migratória; judicialização das demandas não solucionadas administrativamente; e acompanhamento das medidas adotadas no pós-resgate”.

Resgates

Em 2023, a DPU participou de diversas operações de resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão.

Em setembro, duas pessoas que atuavam na pecuária e eram submetidas a condições degradantes foram resgatadas em uma fazenda no município de Medeiros Neto, extremo sul da Bahia. Os rapazes não tinham registro do contrato de trabalho, cumpriam jornadas exaustivas e não recebiam pagamento correto, o que já caracteriza a situação de trabalho escravo contemporâneo. Além disso, o alojamento em que moravam não tinha água potável, chuveiro nem banheiro, a ventilação era precária e as paredes apresentavam rachaduras e mofo. Acolhidos pela equipe, eles receberam as rescisões do contrato de trabalho e foram orientados sobre os valores garantidos pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a serem pagos pelo antigo empregador.

Já no final de outubro, os defensores, junto com o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e da Previdência, estiveram em Campo Alegre, no interior de Goiás. Lá, cerca de 80 trabalhadores sem registro trabalhista foram encontrados em alojamentos lotados e sem a devida higienização ou equipamentos de proteção individual (EPI). Todos receberam atendimento jurídico gratuito tanto nas demandas trabalhistas quanto de direitos humanos.

Em novembro, bolivianos resgatados em oficina de costura em São Paulo (SP) receberam após três anos a indenização a que tinham direito em ação trabalhista movida pela Defensoria Pública da União. Em 2020, a equipe encontrou um casal de trabalhadores com três crianças e uma trabalhadora com uma bebê de sete meses, todos de nacionalidade boliviana e em situação migratória indocumentada. De acordo com a denúncia, os migrantes eram submetidos a uma jornada exaustiva de trabalho de 16h diárias, impedidos de ter acesso à serviços de saúde e foi constatada a servidão por dívida além de diversos atos e condições degradantes, como cortes nas refeições e restrição à cozinha da casa. Todos estes elementos caracterizam o trabalho análogo à escravidão. A DPU entrou na Justiça e obteve decisão favorável aos trabalhadores, reconhecendo o vínculo de empregatício e todos os direitos trabalhistas, como o pagamento de horas extras, piso da categoria e verbas rescisórias.

Assistência especializada

A Defensoria Pública da União possui um Grupo de Trabalho (GT) de Combate à Escravidão Contemporânea (GTCEC) que é responsável pelas normatizações relativas ao tema, monitoramento dos casos relacionados a trabalho escravo em trâmite na DPU, consolidação dos dados, debate de soluções para o assunto, entre outros. Também cabe ao GT identificar dificuldades políticas e processuais à prevenção e enfrentamento do trabalho escravo com o objetivo de propor e debater soluções, assim como monitorar casos relacionados a trabalho escravo em trâmite na DPU, consolidando os dados necessários a subsidiar políticas públicas visando à erradicação do trabalho escravo.

Em 2022, a partir da construção conjunta de diversos órgãos e entidades da sociedade civil – incluindo a DPU, a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) e as Comissões Estaduais para Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAES) –, foi lançado o Fluxo Nacional de Atendimento às Vítimas de Trabalho Escravo no Brasil, publicizado pela Portaria nº 3.484, de 6 de outubro de 2021, do então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, atualmente Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

Com o lançamento do fluxo nacional, a DPU formalizou sua atuação na assistência jurídica ampla em prol dos(as) trabalhadores(as), para além das questões trabalhistas, incluindo o encaminhamento à rede de proteção, o atendimento de demandas previdenciárias, assistenciais e relacionadas à regularização migratória e/ou documental. Assim, analisando os problemas pessoais da vítima, o(a) defensor(a) também atua em questões como encaminhamento para a assistência social, reunião familiar ou no retorno das pessoas resgatadas ao seu lugar de origem, visando evitar a sua revitimização no trabalho análogo ao escravo ou em condições degradantes.

FiscalizaçãoGETRAE escravo 2

Criado em 1995, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) é um projeto que une Auditoria Fiscal do Trabalho do Ministério da Economia; Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através da Auditoria Fiscal do Trabalho; Ministério Público do Trabalho (MPT); Ministério Público Federal (MPF); Defensoria Pública da União e órgãos de segurança pública, como Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícias Civis dos Estados, que realizam missões por todo o Brasil na fiscalização de denúncias de trabalho análogo ao escravo.

Para integrar as ações de fiscalização de trabalho escravo organizadas pelo GEFM e visando especializar os defensores públicos federais para prestar assistência jurídica integral e gratuita aos trabalhadores resgatados de situação análoga à escravidão, a Defensoria Pública da União instituiu o Grupo Especializado de Assistência a Trabalhadores/as Resgatados/as de Situação de Escravidão (GETRAE)

A defensora pública federal Izabela Luz, coordenadora nacional do Grupo de Trabalho de Combate à Escravidão Contemporânea, explica que “através do GETRAE é lançado um edital anual pelo qual os(as) defensores(as) se habilitam e os(as) integrantes que compõe o GTCEC organizam palestras, cursos e seminários para recepcioná-los(as) e capacitá-los(as) para a atuação especializada. Hoje, temos mais de 60 defensoras e defensores públicos federais participando do grupo e atuando no combate à escravidão contemporânea”.

“O GETRAE busca fomentar o estudo e a discussão entre os membros grupo. Com base no relato das suas participações, cada defensor pode trazer sua experiência em atuações especificas e proporcionar uma interseccionalidade através da troca, do compartilhamento e do esclarecimento de dúvidas. O objetivo é aumentar a efetividade da atuação desses defensores(as), que já participavam das ações, através da sua especialização na matéria”, conclui a coordenadora do GTCEC.

Atuação

Segundo Izabela Luz, “a DPU tem várias atuações emblemáticas nesse tema do combate ao trabalho em situação análoga à escravidão. Já participamos de resgates em carvoarias, em diversas plantações agrícolas, oficinas de costura e em fábricas clandestinas. Muitas vezes encontramos pessoas em situação bastante degradante. Nesses cenários a equipe fica bastante chocada, comovida e indignada. É um momento no qual temos convicção da necessidade e importância dessas operações”.

Para a defensora, “essa fiscalização a nível de Brasil tem que ser valorizada e incentivada. Elas funcionam não só como um meio de educação para que isso não aconteça mais, conscientizando as pessoas do que é um trabalho análogo à escravidão, mas também em termos punitivos, para que os empregadores respeitem a lei e os trabalhadores”.

A coordenadora do GT de Combate à Escravidão Contemporânea destaca que “em 2023, foram mais de 3.000 resgates a nível nacional e isso não é só porque o país, depois da pandemia, entrou numa situação socioeconômica difícil, nem porque os grupos de trabalho têm crescido. Esse alto número de resgates acontece porque as ações estão mais eficientes e existem mais fiscalizações. Hoje utilizamos drones e tecnologia de informação para que haja mais eficiência nas operações, o que aumenta o número de resgates”.

Somente no segundo semestre de 2023, a DPU participou de 40 ações de fiscalização e combate ao trabalho escravo. No total, foram atendidos 921 trabalhadores(as), sendo 423 resgatados(as), em 76 municípios. As verbas trabalhistas pleiteadas a partir da atuação da DPU chegaram ao valor de R$ 9.236.267,09.

Luz ressalta, ainda, que “além da atuação do defensor em ações individuais pleiteando danos morais individuais e direitos trabalhistas, também temos conseguido obter condenações por dano moral coletivo, através do ajuizamento de ações civis públicas e da assinatura de termos de ajustamento de conduta. A DPU também aumentou a efetividade da sua atuação recebendo denúncias, fiscalizando e procurando essa interseccionalidade e trabalho conjunto com o Ministério Público do Trabalho e com o Ministério do Trabalho e Emprego ampliando o nosso trabalho a nível nacional”.

Educação em direitos

Com o objetivo de conscientizar a população sobre o trabalho escravo contemporâneo, a DPU participa de diversas ações de educação em direitos para prevenir o aliciamento de grupos vulneráveis. Em dezembro de 2023, a instituição, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), lançou a Cartilha de Apoio às Pessoas Submetidas ou Resgatadas do Trabalho Escravo. Usando uma linguagem acessível, este material é destinado às vítimas e pessoas resgatadas dessa condição.

A Defensoria também realiza cursos de capacitação para atuação na temática, com o objetivo de aprimorar o serviço público de assistência jurídica às vítimas de exploração. Além disso, possui um Manual de Orientação que explicita e orienta a atuação de defensoras e defensores públicos federais no tema do trabalho análogo à escravidão.

Ainda no final do ano passado, a DPU promoveu o workshop Vozes da Liberdade, um curso nacional focado em fortalecer as capacidades de defensoras e defensores públicos federais no combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil e na promoção de boas práticas para melhorar o atendimento e a assistência jurídica prestados às vítimas resgatadas nesta situação.

Dados

De acordo com dados do último relatório anual consolidado e divulgado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 2022, o Brasil encontrou 2.575 pessoas em situação análoga à de escravo. Pelo perfil dos resgatados, 92% eram homens, sendo que 29% tinham entre 30 e 39 anos. A região nordeste teve o maior número de resgate (51%). A maioria dos resgatados também eram nordestinos (58%). A escolaridade variou entre ensino fundamental incompleto e analfabetos. A maioria dos dois gêneros se autodeclara negro – 83% negro, 15% branco e 2% indígena.

Também foram resgatados migrantes de outros países, segundo o relatório, 148 trabalhadores – o dobro em relação a 2021. Dentre os encontrados estavam 101 paraguaios, 25 bolivianos, 14 venezuelanos, 4 haitianos e 4 argentinos.

Ainda em 2022, o relatório aponta que 35 crianças e adolescentes foram encontrados pelas equipes em circunstâncias análoga ao trabalho escravo, sendo 10 menores de 16 anos e 25 entre as idades de 16 e 18. As crianças e os adolescentes exerciam atividades na área agrícola, criação de bovinos, fabricação de produtos de madeira e de carvão vegetal e confecção de roupas. ·

Os dados oficiais sobre o combate ao trabalho escravo podem ser acessados no Radar do Trabalho Escravo da SIT.

Denuncie

Atualmente, o crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo está previsto no artigo 149 do Código Penal, que define algumas características da conduta criminosa, podendo estar presentes simultaneamente ou não: trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes e restrição de locomoção em razão de dívida.

A Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), lançou em 2020 o Sistema Ipê. A plataforma de denúncia de trabalho escravo e totalmente sigilosa. Também é possível denunciar através do Ministério Público do Trabalho (MPT), unidades da Polícia Federal, sindicatos de trabalhadores, escritório da Comissão Pastoral da Terra, entre outros locais.

Grupo de Trabalho (GT) de Combate à Escravidão Contemporânea (GTCEC) da DPU também recebe denúncias de trabalho análogo à escravidão através do e-mail trabalhoescravo@dpu.def.br.

Leia Também:

DPU abre inscrições para grupo especializado nos trabalhadores em situação de escravidão 

Vozes da Liberdade: DPU faz workshop de combate ao trabalho escravo contemporâneo

DPU e PNUD lançam cartilhas em linguagem acessível sobre trabalho escravo

Operação Resgate: maior ação de combate ao trabalho escravo resgata 532 pessoas 

** A atuação da DPU descrita nesta matéria está baseada nos seguintes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU):
1 – Erradicação da pobreza
8- Trabalho decente e crescimento econômico
10- Redução das desigualdades

Com informações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)

Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União